domingo, 30 de julho de 2006

[CONTO] Felipe e Elisa

'Flying Together' de Dora Stanczel

"Flying Together" de Dora Stanczel

Felipe era um adolescente de 15 anos, muito tímido e reprimido, tinha dificuldades de se relacionar com seus colegas de escola, e graças a isto ainda não havia feito nenhuma amizade.

Um dia surgiu Elisa em sua vida. Ou melhor, ele se deu conta da existência dela, em um momento quase mágico. Esta é a história desse momento.


O lugar onde Felipe sentava-se dentro da sala de aula era bem escondido, exatamente do jeito que ele preferia ficar. Quanto menos chamasse atenção, melhor. Ironicamente sua carteira ficava próxima daqueles que ele chamava de Os Palhaços da Classe. Eles formavam um grupo de amigos responsáveis pelos momentos mais engraçados das aulas.

Virava e mexia os membros dos Palhaços implicavam uns com os outros, porém isto raramente ocasionava em brigas, e sim, para a alegria geral, em comentários espirituosos que muitas vezes levavam a sala inteira às gargalhadas.

Felipe se sentia apagado na presença dos Palhaços. Por este motivo nunca se sobressaia durante as aulas, e de certa forma preferia que continuasse assim. Isto até o dia em que um dos Palhaços começou a discutir com os outros sobre quem era a menina mais bonita da sala.

Um falou da Gisele, e seu belo corpo, muito vistoso. Bumbum durinho e enrijecido pelos jogos de vôlei durante as aulas de educação física.

Outro já preferia a Michelle, uma morena linda, de olhos verdes, cabelos encaracolados, e um rosto de traços leves e delicados.

Mas Marcos, o desenhista dos Palhaços, responsável por fazer as caricaturas do pessoal da turma, achava a tímida e reservada Elisa a menina mais bonita.

Elisa era magra, baixa, olhos castanhos vivos e espertos, um narizinho delicadamente esculpido, cabelo castanho-claro, que costumava prender em um rabo de cavalo. Usava óculos quase o tempo todo.

Além disto, Elisa era muito quieta, estudiosa, fazia o possível pra não chamar atenção, apesar de sentar-se na primeira carteira de sua fila, mais pra ficar atenta às aulas do que para se sobressair.

Felipe, que acompanhava a discussão, tomando o cuidado de não se mostrar tão interessado nela para que não fosse abordado por seus colegas, ao ouvir a opinião de Marcos ficou surpreso, pois o colega era um dos mais extrovertidos da turma. Elisa não parecia fazer o tipo dele, por isto ficou curioso pra entender o motivo que levou Marcos a escolhê-la. Assim, Felipe voltou sua atenção para Elisa e começou a observá-la. Foi neste exato momento que ele se apaixonou.

Em um mero instante, Felipe se deu conta de toda a beleza que Elisa continha em si, não só de seu rostinho bonito, mas de sua delicadeza, sua sensibilidade, sua inteligência e prestatividade. E a partir daquele simples e mágico momento, Felipe se viciou em Elisa, a ponto de querer desvendá-la, entendê-la, e aumentar ainda mais sua lista de motivos pra admirar aquele ser tão belo. Para isto começou a segui-la com o olhar, não como um detetive, mas como o admirador secreto que ele era de fato.

Não se contentava em observá-la apenas dentro da sala de aula, também a acompanhava durante os intervalos, no pátio da escola, vendo o modo como ela conversava com suas amigas, o sorriso contagiante que oferecia àqueles que conseguiam fazê-la se sentir feliz. E assim, a cada dia, Felipe ficava mais apaixonado por Elisa.

Mas sua paixão era frustrante. Felipe vivia triste por não conseguir reunir coragem o bastante para expressar a Elisa o que sentia por ela. Sua timidez excessiva era a inimiga contra a qual deveria lutar para fazer com que a voz de seu coração alcançasse o de Elisa, e ele sabia, ou pelo menos assim acreditava, que não era capaz disso. Por este motivo, Felipe, que naquele época não era muito inteligente, se contentou com o único recurso infalível que possuía: sua imaginação.

Felipe podia até não se considerar esperto e forte o bastante para se declarar pra Elisa, mas curiosamente era capaz de criar mundos minuciosamente fantásticos em sua mente quando se sentia sozinho.

A maior parte de seu tempo livre na escola era usado na criação de mundos inimagináveis e seres para habitá-los. Idealizava sagas inteiras protagonizadas por um vasto elenco de personagens que jamais chegou a transcrever em um simples guardanapo.

E por ter este dom ao qual ele não dava muito valor, Felipe achou que seria uma boa idéia abandonar por algum tempo seus outros mundos, e criar uma cópia daquele onde vivia, e assim o fez.

Foi durante uma aula de educação física. Geralmente ele não participava dela, só respondia a chamava e ficava sentado na arquibancada que dava para as quadras de vôlei e futebol do pátio da escola. Era de lá que ele, mais uma vez, observava Elisa conversando com algumas de suas amigas (ela também não era muito fã de educação física).

Imaginando como poderia chamar a atenção dela, Felipe, quase que expontaneamente, preencheu o pátio com todos os alunos que freqüentavam o colégio durante o período matutino. "Tudo tem que acontecer na presença de todos", pensava ele.

Em seguida se certificou de que todos os garotos que ele acreditava estarem interessados em Elisa, incluindo seu colega Marcos, estivessem observando-a naquele instante.

Por fim, sem nenhum aviso, Felipe lentamente se levantou do lugar em que se encontrava na arquibancada, e começou a voar!

Aqueles que estavam próximos de Felipe foram os primeiros a ficarem boqueabertos, mas logo ele deu um jeito de tal reação ser compartilhada por todos, pois assim que subiu uns dez metros acima da arquibancada, começou a sobrevoar todo o pátio do colégio, indo de um canto a outro.

Felipe dava rasantes sobre as cabeças de seus colegas de turma, fazia piruetas no ar, subia velozmente pra depois dar um mergulho que deixava qualquer um temendo por sua vida, e retomava o controle da gravidade apenas para arrancar aplausos e assobios de entusiasmo e fascínio.

Claro que tudo isto não serviria pra nada se não terminasse com um gran finale.

Após seu pequeno show, que durou menos de dois minutos, Felipe se interrompeu no ar, quinze metros acima do centro da quadra de vôlei, onde Elisa acompanhava, espantada, todo o repentino espetáculo promovido por ele. Lá do alto Felipe olhava sua amada nos olhos serenamente, quando começou a descer até ela, bem devagar.

Palavras não eram necessárias naquele momento único. Por isto sua platéia permanecia em um impossível e completo silêncio.

Quando novamente tocou os pés no chão, sempre olhando profunda e carinhosamente os olhos de Elisa, Felipe lhe estendeu a mão, que sem o menor sinal de hesitação ela aceitou. Sem palavras, nem questionamentos.

No mesmo instante, de mãos dadas, ambos começaram a voar. Magicamente, com um simples toque, Elisa compartilhava dos poderes de Felipe.

Aos poucos o pátio do colégio foi ficando distante, e logo Felipe e Elisa sobrevoavam sua cidade. Observavam juntos o movimento urbano sob uma viva e contagiante perspectiva. Viam os pássaros acompanhando-os lado a lado em seu vôo. Subiam mais ainda e passavam por entre as nuvens, um pouco mais pro alto e já estavam sobre aqueles enormes flocos flutuantes de algodão, cuja leveza só não superava a que os dois sentiam naquele instante.

Voaram juntos por horas, ultrapassaram as fronteiras da cidade até atingirem a próxima, e a seguinte, até não se importarem mais com o lugar onde estavam.

O vôo só terminou quando soou o sinal que anunciava o fim da aula de educação física.

O pátio voltou a ser ocupado apenas pelos colegas da turma de Felipe. Elisa voltou a conversar com suas amigas, sem dar bola pra ele, e assim continou até o dia em que o jovem abandonou o colégio para ar um novo rumo à sua vida.

Felipe jamais se declarou para Elisa, e tão pouco voou daquela forma. Ainda é muito tímido, e preserva sua mania de se imaginar em mundo fantásticos, alcançando vôos solitários em sua imaginação... (até agora)

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Obs.: um fato curioso a respeito da produção deste texto é que, enquanto eu o escrevia em meu caderno de rascunhos, a tinta da caneta acabou exatamente no ponto onde o vôo imaginativo de Felipe terminava. Quando voltei a escrevê-lo com uma caneta reserva, a tinta dela jamais ficou tão forte quanto a da anterior (ao contrário, estava bem fraca).


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Comentários:

Adorei a fantasia! Gosto de escrever. Gosto de imaginar... As vezes (sempre) minha imaginação viaja alto... Mas não lembro de imaginar com tanta precisão... Identificação com o autor em partes, por já ter sido mto tímida e mto, mto introspectiva... Mas já estou falando [rs] e engatinhando! Queria que o final tivesse se tornado realidade e feliz... Mas...

Raquel Li | Email | 04-09-2006 11:35:08
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E o mais engraçado foi que começou comigo e com a Suka no MSN, discutindo sobre o passado a qual nos conhecemos. O URL do blog da Tábita rolou na conversa, e eu entrei pra alimentar minha nostalgia. Foi então que eu vi vários links de nomes que nunca mais tinha lido antes (Cepa, Ceres, entre outros) e um tal de Wolv. foi então que entrei. A princípio só quis dar uma olhadinha superficial no layout, fui descendo pra procurar a bolinha laranja e seu fiel companheiro. E não sei pq eu parei nesse texto. Ô.o E li umas frases sem compromisso. Fui me indentificando e me prendendo a leitura. Quando você mencionou dos mundos alternativos do Felipe, foi então um auge desse sentimento. Coisa que eu fazia a alguns anos atrás, antes de mudar de colégio, antes de conhecer vocês. Hoje em dia não consigo mais, acho que esse mundo daqui me prende demais pra isso. É isso aí... té mais, Wolvii!

Lóla | Homepage | 13-08-2006 22:28:10

quarta-feira, 26 de julho de 2006

[REFLEXÕES] Impressões de uma insônia produtiva

Obs.: para uma melhor compreensão do texto abaixo, considerem que ele foi escrito em plena madrugada de hoje em meu caderno de anotações e rascunhos, onde eu geralmente transcrevo a maioria dos textos que posto aqui.

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Hoje tive mais uma daquelas minhas noites mal-dormidas (ou praticamente não-dormidas), mas, em contrapartida, extremamente criativas. Bastou eu deitar na cama e, passados alguns minutos de tentativas pra atrair o sono, começou a tempestade, no melhor sentido da expressão.

As idéias que surgiram são extremamente confidenciais, e sua grande maioria tem relação com meus projetos pessoais (alguns dos quais já venho pondo em prática), que pretendo lançar nos próximos anos. O que importa aqui não são elas, mas as impressões que tive agora a pouco da minha mais recente insônia produtiva (vale citar que estou escrevendo isto em meu caderno de anotações em plenas 3:40 da manhã).

A verdade é que quando uma insônia desse tipo acontece eu não tenho muita escolha, não adianta ignorar as idéias, ou deixar pra transcrevê-las numa outra hora, pois elas simplesmente me atormentam pra serem transferidas pro papel o mais depressa possível, como se fosse um caso de vida ou morte (o que não fica muito longe da verdade, pois já perdi muitas boas idéias ao longo da minha vida, antes do abençoado dia em que resolvi adotar os cadernos de anotação).

Talvez seja por falta de controle da minha parte, algo como um tique nervoso que não depende tanto da vontade imediata da pessoa em dominá-lo, mas de todo um condicionamento para conseguir domá-lo. Provavelmente é isto que me falta no momento, encontrar uma forma de controle sobre essas tempestades criativas, embora obter isto, no momento, me pareça tão difícil de pôr em prática quanto a idéia de sair mundo afora decidindo onde vai cair um pé d'água e onde fará um lindo dia ensolarado. (tal como ocorria com o Deus das Chuvas, de Adeus, e Obrigado pelos peixes, do sempre citável Douglas Adams).

Tá, o parágrafo anterior ficou grande demais, prometo ser mais modesto e menos "indomável" neste, já como uma forma de exercitar meu controle sobre os turbilhões ideáticos. Certo, certo, já é o suficiente pra um parágrafo...

Voltando às impressões, comecei a refletir, ainda deitado na cama, encarando o derredor escuro do meu quarto, sobre a natureza das idéias e preocupações que me passavam pela cabeça desde as 23 horas (horário em que eu comecei minha tentativa totalmente frustrada de cair no sono). De improsivo posso me lembrar das idéias para os e-mails que vou escrever pra Aline daqui a pouco; da proposta que farei pra minha irmã de rever a trilogia De volta para o futuro comigo; das idéias que tive pra minha série de livros infanto-juvenis; e daquelas que chegaram para o futuro romance que pretendo escrever.

Enfim, acho que já deu pra notar que idéias não faltaram por aqui hoje. Muitas, dos mais variados, tipos, exceto uma: Cadê a idéia de deixar pra anotar todas essas idéias mais tarde, e se preocupar em ter uma boa e proveitosa noite de sono, com ocasionais encontros oníricos sempre insistentemente evocados antes de começar minhas batalhas contra a insônia? Pois é, essa não veio.

Que ela chegue finalmente, e seja posta em prática o quanto antes, agora que a idéia para o texto sobre a falta de idéia pra calar todas as outras, e me deixar dormir em paz, já está quase toda posta no papel (e mais tarde estará na internet). Falta só mais uma coisa: Boa noite, idéias! Agora calem a boca!! Já fiz minha obrigação!

terça-feira, 11 de julho de 2006

[REFLEXÕES] "Onde o sábios nadam, os loucos se afogam"

Nús subaquáticos de Valery Anzilov

Montagem feita com fotos de Valery Anzilov

Este é um provérbio que já li em duas ocasiões diferentes, respectivamente nas obras de Carl G. Jung (O Eu e o Inconsciente) e Joseph Campbell (O Poder do Mito), dois homens que, por si mesmos, representam a imagem dos sábios modernos: aqueles capazes não de gerar conhecimento, mas de compilar os que já possuímos de maneira fragmentada, provenientes dos mais variados ramos do conhecimento humano, e interpretá-los com base na integração que compuseram.

O que este simples provérbio tem a nos ensinar? Muito!

Ensina a não nos afogarmos em nossas mágoas; a não deixar que nossos problemas nos enterrem vivos; a não guardar muito pra nós mesmos, em uma atitude egoísta perante o mundo de coisas e pessoas que se abre diante de nós, sejam elas bens materiais, morais ou intelectuais. Tudo que nos chega de valioso vêm para compartilharmos com os outros!

"Nadar" não significa simplesmente "se deixar levar" pela correnteza, mas também ensinar outros a nadarem, dentro de suas próprias capacidades.

"Se afogar" é deixar-se dominar por seus problemas, seus medos, sua insegurança, seu egoísmo e orgulho.

Guardar para si conhecimento representa um peso enorme em nossa consciência, pois no nível inconsciente sabemos muito bem que aquele peso não é pra ser carregado por muito tempo, mas passado adiante, não de uma só vez pra uma só pessoa, mas repartido entre muitas. Mais uma vez cabendo a cada uma receber a porção que é capaz de suportar, de assimilar e, claro, de retransmitir.

É assim que o bem se faz! É assim que ele se alastra!

Que é a depressão, se não um peso que afunda nosso ser? Uma carga que devemos entregar a seus muitos destinatários! É o aviso de nossa consciência para quando estamos desperdiçando nossas vidas e nossas potencialidades! Deixando não só de vivê-la, mas de compartilhar nossa energia vital, a luz que ilumina nosso ser, nosso tempo, nossa paciência, nossos conhecimentos!

Que é a dor, se não o cansaço físico e psíquico que se abate sobre nós quando nosso corpo se dá conta de que estamos guardando muito pra nós mesmos, quando deveríamos usar todo o nosso potencial, nossas capacidades, para ajudar outras pessoas a desenvolver as delas? Ajudá-las a caminhar, a nadar, e não se afogar em suas próprias aflições!

Que é a vida, se não a energia que move nossos corpos; que sustenta nossos seres; que fornece as forças de que precisamos para carregar nossos bens físicos, morais, intelectuais, espirituais, até o ponto em que precisamos compartilhá-los?

Que é a intuição, se não aquilo que nos aponta para o caminho certo, ou nos diz se estamos no errado? Que nos dá um vislumbre de um futuro glorioso, ou nos adverte do sombrio que decorrerá de nossa (re)incidência nos erros.

Que é o amor, se não a injeção de ânimo que muitos de nós precisam tomar para aprender a fazer bom uso da vida que nos foi oferecida? A luz da nossa consciência! A idéia da integração de tudo e todos. A interconectividade dos destinos humanos. A ordem que dá sentido ao caos. O preenchimento do vazio. O florescimento de um jardim. O despertar das potencialidades. O nascimento de um sábio. O nadar e não se afogar.

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Comentários:

Virou meu texto de referência.

Aline | Email | 13-07-2006 16:29:50