domingo, 28 de junho de 2009

[REVIEWS] Quarteto Fantástico e Homem de Ferro: Clássicos Antigos e Contemporâneos

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Os Maiores Clássicos do Quarteto Fantástico - Volume 4

Terminei de ler ontem o 4º encadernado da fase do Quarteto Fantástico escrita e desenhada por John Byrne, e com ele eu finalmente entendi porque o material que ele produziu para o título da família super-heróica na década de 80 até hoje é considerada a melhor dentre as protagonizadas pelos personagens.

Até aqui já havia lido os 3 encadernados anteriores, e apesar de ter curtido muitas histórias, ainda não havia enxergado nada nelas que as tornasse algo inesquecível. Sim, muitas tinham idéias muito criativas, tanto pra época em que foram escritas, como para os dias de hoje. Uma das minhas preferidas, publicada no primeiro volume da coleção, é a do senhor de meia idade de vida pacata que, sem nem sequer desconfiar, ganha poderes de alterar a realidade, transformando qualquer mínimo desejo que passe por sua mente em fato real e palpável. Não demora muito para que o Quarteto se envolva, procurando uma forma de impedir que o cidadão espalhe o caos no mundo.

No segundo encadernado tivemos o deleite de finalmente ver o Galactus sendo enfrentado não apenas pelo Quarteto, como em sua primeira e clássica visita à Terra para um "lanchinho", mas também os Vingadores, o Homem-Aranha, e até o Demolidor, satisfazendo a curiosidade de quem sempre quis ver todos os principais heróis residentes em Nova York enfrentando uma das maiores crises que ela poderia enfrentar. E de quebra ainda tivemos Reed Richards, ironicamente, sendo forçado a salvar a vida do Devorador de Mundos, e Frankie Reye, a namoradinha da vez do Tocha Humana, sendo transformada no mais novo arauto da entidade cósmica.

Sim, tivemos muitas boas histórias nos volumes anteriores, mas até este 4º eu não havia "pescado" qual era o fator que tornava toda a longa fase do Quarteto produzida por John Byrne, o escritor e desenhista sensação dos fins da década de 70, e praticamente toda a década de 80, em uma das mais celebradas pelos fãs da super-equipe.

Este volume começa com o Quarteto retornando de sua missão exploratória à Zona Negativa, mostrada no final do 3º, um universo paralelo composto por antimatéria, onde as leis da física funcionam de forma diferente das existentes no nosso universo. Na Terra o Aniquilador, o vilão da vez, aciona um dispositivo que pode causar a destruição dos dois universos. Tudo isto enquanto o Quarteto Fantástico tenta encontrar um meio de voltar ao seu universo de origem, e os Vingadores procuram lidar como podem com a ameaça em seu mundo sem muito sucesso. Daí começa uma corrida contra o tempo.

Claro que a crise é resolvida, mas há baixas, e conseqüências que repercutirão ao longo das histórias seguintes. Nestas veremos casos tão fantásticos como a famosa, e igualmente clássica, destruição do Mundo Imperial Skrull, cujos efeitos são sentidos até hoje, como, por exemplo, na atual Invasão Secreta; uma cidadezinha interiorana dos Estados Unidos tendo que lidar com uma praga alienígena causada por uma das primeiras aventuras protagonizadas pelo Quarteto; e finalmente a batalha épica entre Tocha Humana, o Coisa, a Mulher Invisível, dois ex-arautos de Galactus, Tyros e o Surfista Prateado, e o Doutor Destino. Ufa! Sim, tudo isto em um só encadernado.

A fase de Byrne atinge seu auge neste volume. Fica claro que sua intenção é escrever histórias cada vez mais épicas, o que acaba culminando na batalha final vista na edição. Seu momento mais inspirado são as descrições feitas na história protagonizada por Galactus e sua atual arauta, Nova, que realçam o tom de grandiosidade cósmica de que a história fará uso em toda a seqüência da destruição do Mundo Imperial Skrull.

Byrne também gosta de explorar idéias mirabolantes, explicações pseudo-científicas elaboradas a fim de imprimir uma lógica aos eventos, por mais estranhos e bizarros que se mostrem. É uma característica do escritor, cujo estilo tem forte influência da linguagem literária. Basta, para concluirmos isto, observar a forma como ele usa o texto, muitas vezes eloqüente e um tanto rebuscado, para suprir a carência de suas imagens na tarefa de transmitir a atmosfera e o clima que deseja construir na mente do leitor, procurando tornar a leitura uma experiência mais completa.

Observando sua trajetória como escritor e desenhista do Quarteto ao longo dos 4 volumes já publicados pela Panini, é notável que a paixão de Byrne pelos personagens foi crescendo ao longo das histórias produzidas. O cuidado na composição das cenas, dos diálogos, dos textos espalhados pelos recordatórios, ainda não havia alcançado tamanho apuro como nesta seqüência de histórias.

Finalmente seu status de clássico se mostra mais do que merecido aos meus olhos, e posso, enfim, aplaudir esse artista dos quadrinhos em um dos melhores momentos de sua carreira.


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Universo Marvel nº44

Meu envolvimento com o Quarteto Fantástico, se bem me lembro, começou em meados da década de 90, quando a Abril Jovem publicou por aqui a mini-série Marvels, um verdadeiro marco das histórias de super-heróis. Fiquei fascinado com a versão escrita por Kurt Busiek, e pintada com o traço fotorealístico de Alex Ross, da primeira história em que a super-família enfrenta pela primeira vez Galactus, o Devorador de Mundos, e o Surfista Prateado, seu arauto.

O tom épico, impresso nas incríveis imagens de Ross e no texto de Busiek, envolvia de tal forma o leitor, que não tinha como não se maravilhar com o que estava impresso naquelas páginas. Desde então procurei ir atrás de outras histórias protagonizadas por aqueles personagens tão fascinantes, quatro seres com super-poderes peitando um ser tão poderoso que podia destruir a Terra numa questão de horas. Não tive muito sucesso nisto pois, na época, a Abril Jovem, responsável pela publicação das histórias dos heróis da Marvel, não lançava muitas republicações de material clássico dos personagens, como a Panini hoje faz com tanta freqüência, de modos que acabei tendo que me contentar com a fase mais atual do Quarteto, que na época vinha sendo publicada numa das revistas mensais do Homem-Aranha, escrita por Tom DeFalco, se bem me lembro.

Era uma fase legalzinha, mas estava longe de apresentar aquele tom de fascinação visto naquela edição de Marvels.

Anos depois, em 2005, a Panini me ofereceu, enfim, a oportunidade de ler a fase mais marcante do Quarteto, criada por John Byrne. Minhas impressões sobre ela vocês podem conferir acima.

No final de 2007 a Marvel anunciou a mais nova equipe criativa responsável pelo título dos personagens, uma das duplas mais aclamadas pelos leitores de quadrinhos década atual, o escritor Mark Millar, e o desenhista Bryan Hitch.

Millar, um artista que adora autopromover-se, soube vender muito bem seu peixe, prometendo, assim que a notícia de sua contratação para o título saiu na mídia especializada, as melhores histórias do Quarteto desde que a dupla de criadores originais, Stan Lee e Jack Kirby, abandonaram os personagens, e John Byrne deixou o título.

Até o momento, aqui no Brasil, foram publicadas 5 histórias de Millar e Hitch, e pode-se dizer, sem dúvidas, que o escritor está cumprindo com o prometido.

A primeira história, publicada em Universo Marvel nº44, já apresenta uma série de boas idéias que certamente serão mais desenvolvidas ao longo das futuras histórias. Susan Storm, a Mulher Invisível, cria um grupo beneficente de super-heroínas; Johnny Storm, o garotão da equipe, seguindo a tendência de muitos "artistas" que enfiam na cabeça que possuem vocação musical, monta uma banda pra protagonizar uma reality show sobre seu dia-a-dia nesta nova empreitada, e ainda por cima inicia um caso amoroso com uma super-vilã; Ben Grimm, o Coisa, começa a se envolver com uma professora de ensino fundamental; e Reed Richards, o Senhor Fantástico, reencontra uma antiga paixão, cientista como ele, envolvida num projeto grandioso e impactante sobre o destino de nosso planeta.

São idéias que Millar, ao longo das 5 histórias, vai desenvolvendo de maneira equilibrada, mantendo o leitor sempre curioso com o desenrolar de cada uma deles. Não há uma subtrama desinteressante, todas soam pertinentes, e o interesse nelas vai crescendo conforme novos lances vão ocorrendo.

O primeiro arco, em 4 partes, já publicado por aqui, termina numa batalha entre força bruta e intelecto, com Reed Richards enfrentando um robô gigante com potencial pra destruir todas as instalações militares, e depósitos de armas, de maior e menor poder destrutivo, do mundo. A forma como a ameaça é eliminada é digna de uma história memorável do Quarteto.

Mas, o melhor momento da dupla de criadores está em outra cena, menos bombástica, mais intimista, protagonizada pelo casal de super-heróis. Reed e Sue comemoram mais um aniversário de casamento num restaurante, trocam impressões sobre a última batalha, sobre a antiga paixão de Reed, e por fim seus presentes. É um dos melhores diálogos já escritos para a dupla de personagens, e como se isto não bastasse, a cena tem um dos desfechos mais memoráveis da história do Quarteto, justamente pela simplicidade da idéia.

Se continuar assim, o que dois anos atrás soou como pura pretensão e autopromoção do Mark Millar, vai se tornar fato, figurando seu trabalho ao lado de Bryan Hitch como a terceira das melhores fases do Quarteto Fantástico. Porque eles vêm demonstrando que sabem o que deu certo no passado, e tem noção do que já não funciona mais atualmente.

A grandiosidade, as idéias mirabolantes, dos melhores momentos de Stan Lee, Jack Kirby e John Byrne, estão todos lá. Mas as características marcantes de Millar também podem ser encontradas nos diálogos com toques de malícia e ironias, e as cenas de ação explosivas desenhadas por Hitch, que apresenta um traço mais solto que o visto em seus trabalhos anteriores, tornando a leitura de suas cenas mais agradável e fluida aos olhos. E a mescla da antiga e da nova escola de quadrinhistas funciona maravilhosamente bem.

É um trabalho que merece toda a atenção dos apreciadores de quadrinhos de super-heróis.


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O Invencível Homem de Ferro: Extremis

O Homem de Ferro é um super-herói que demorou muito pra me atrair. A idéia de um milionário usando uma armadura de alta tecnologia pra combater o crime não me fascinava, e se tem um simples fator que ainda me interessa nos quadrinhos de super-heróis é o fascínio que eles conseguem provocar nos leitores.

Essa minha visão sobre o personagem só mudou quando (olha ele de novo pintando por aqui) Mark Millar, durante a supersaga Guerra Civil, lançou a idéia de super-heróis sendo forçados a registrar suas identidades secretas junto ao governo estaduniense, para que não tornassem suas atividades ilegais. Estava armado o cenário para que heróis contra e a favor do registro entrassem em um conflito físico, ideológico e moral, que jogou amigos contra amigos. No meio dessa crise toda, uma das melhores sacadas de Millar foi pegar o Homem de Ferro e transformá-lo no maior defensor da lei de registro de super-heróis.

Todos os holofotes do Universo Marvel se voltaram para ele, e um personagem que até então não me atraía tanto se tornou pivô de um dos eventos mais revolucionários já ocorridos na editora.

Mas, meses antes da Guerra Civil explodir, Tony Stark, o homem por trás da armadura, havia sofrido um reboot em sua história. Seu título foi zerado, e as seis primeiras edições foram entregues às quatro mãos da dupla Warren Ellis e Adi Granov. Foram os seis primeiros números do renovado título os responsáveis pelo início da revolução ocorrida com o Homem de Ferro que o alçou ao patamar de um personagem que mereceu um pouco mais da minha atenção.

Ellis já começa descontruindo a figura de Tony Stark como um mero playboyzinho metido a gênio, apresentando-o como alguém tão inquieto em seu desejo de fazer algo realmente significativo para a humanidade usando seu intelecto e sua facilidade para criar as mais variadas invenções tecnológicas, que passa boa parte de seu tempo livre isolado do resto do mundo num laboratório.

Algumas páginas depois temos o primeiro grande momento de Ellis, no diálogo ácido e incisivo entre Tony Stark e um diretor de documentários investigativos, bem ao estilo Michael Moore, que adora levantar polêmicas, e confronta-o com a realidade de que boa parte de sua fortuna provém das armas desenvolvidas por suas empresas, embora Tony alegue que os recursos financeiros ganhos nas vendas das mesmas fossem necessários para o desenvolvimento de pesquisas mais importantes ao bem-estar da humanidade. A forma como Tony Stark vira o jogo faz o personagem ganhar mais uns pontos do leitor, tornando-o ainda mais apreciável.

A dupla não apenas aproveita a chance deste reinício na vida do personagem para amadurecê-lo um pouco mais, como também apresenta uma versão mais contemporânea da origem do Homem de Ferro, cuja versão clássica já estava muito datada e pouco palatável ao leitor atual, e mais adequada às idéias defendidas por Ellis a respeito das motivações do personagem (na versão clássica ela ocorria em plena Guerra do Vietnã, tornando difícil a tarefa de engolir que o cara tem quase 70 anos hoje em dia).

O escritor britânico, visando reforçar ainda mais a intenção de confrontar Tony Stark com seus próprios defeitos, introduz Maya Hansen, um antigo caso amoroso do milionário, e responsável por uma pesquisa que ultrapassa Tony em suas pretensões de viabilizar a perfeita integração entre homem e máquina, a grande idéia por trás do que o motivara não só a criar como buscar desenvolver cada vez as tecnologias que integram a armadura do Homem de Ferro. Com isto Tony não apenas é forçado a engolir seu orgulho, como também a admitir que foi superado por alguém do sexo oposto, o que acaba tornando toda a situação uma metáfora (se foi intencional eu não sei) sobre a necessidade de conciliar opostos para uma perfeita integração e progresso tecnológico, psicológico, ideológico.

Outro personagem novo que chama a atenção é Sal Kennedy, que dentro da trama funciona como uma espécie de alterego de Ellis, um xamã moderno, defensor de idéias tão estranhas e fascinantes como o uso de drogas alucinógenas para permitir à mente humana o acesso direto ao "sistema operacional do corpo humano", e o uso de alta tecnologia como aguçadora dos sentidos, entre outras, numa rápida participação que deixa o leitor quase atordoado com tantos conceitos compactados em poucas páginas, e funciona como mais um fator que impulsiona a mudança de postura de Tony Stark, vista mais adiante na história.

A própria idéia do Extremis, um componente bioeletrônico que, quando injetado na corrente sanguínea, atua diretamente no centro de regeneração do cérebro humano, e a partir dele reconstrói todo o corpo de quem o recebeu, transformando-o numa versão mais avançada, resistente e com sentidos mais apurados, é tão boa quanto as melhores idéias de Ellis vistas em Planetary, a verdadeira obra-prima do escritor.

Transformando tudo isto em imagens, Adi Granov produz quadros quase foto-realísticos, mas que não deixam de ser estilizados até certo grau. Falta um pouco mais de movimento nas cenas de ação, mas não é nada que comprometa o produto final, bastante positivo em seu conjunto.

Muitos fãs antigos do personagem criticaram esta fase alegando que, ao término dela, Tony Stark/Homem de Ferro, acaba perdendo sua característica mais tradicional: um homem comum dentro de uma armadura. Particularmente encaro a mudança no status quo do herói como uma evolução natural, condizente com seu ideal, que sempre almejou aperfeiçoar-se como homem, inventor, e bem-feitor da humanidade. Com a fase Extremis o Homem de Ferro dá seu passo mais significativo na tarefa de convergir seus maiores objetivos num mesmo plano de ação.

É Ellis, mais uma vez, em sua figura de xamã moderno, ajudando mais um herói a realizar seu "ritual de passagem", e dando mais uma memorável contribuição ao fascinante universo dos super-heróis dos quadrinhos, já bastante em débito com o escritor britânico, pai, mãe e parteiro de Authority e Planetary, dois dos melhores títulos protagonizados por estes incríveis super-seres que ainda conseguem me maravilhar.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

[CRÔNICA] Michael Jackson - A Queda de (mais) Um Ídolo

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Fiquei hoje o dia inteiro pensando na forma de apresentar os fatos aqui descritos, que inicialmente se mostravam desconexos, para mais tarde se revelarem mais afins do que eu imaginava. Vou resumir o tema desta crônica com uma simples pergunta: o que a morte de Michael Jackson, a tragédia do vôo 447, e o drama de um jovem viciado em drogas têm em comum? É o que vou tentar responder aqui.

Ontem, pouco antes de voltar da biblioteca onde trabalho, soube que o irmão de um conhecido meu foi internado numa clínica de desintoxicação e reabilitação de dependentes químicos. Aquilo mexeu comigo em algum nível mais profundo, mas só me dei conta do quanto fui atingido pela notícia mais tarde, quando, já chegando em casa, fui recebido por outra: Michael Jackson fora levado às pressas para um hospital após sofrer uma parada cardíaca. Minutos depois já corriam rumores de que na verdade ele já havia morrido. Passado pouco menos de uma hora veio a confirmação.

Tenho recordações nostálgicas ligadas ao cantor, pois quando criança meu irmão do meio era um dos muitos fãs que ele tinha, a ponto de viver imitando alguns dos passos mais conhecidos do sujeito na nossa infância. Mas não estou aqui pra falar disto, e nem da carreira do artista, portanto, deixa eu voltar pra questão principal.

Um fato que vale a pena acrescentar é a minha relação com o mundo dos noticiários e jornais, sejam eles impressos ou televisivos. Já faz alguns anos que não faço o menor esforço pra sentar na frente de uma TV a fim me inteirar dos últimos acontecimentos do mundo. Adotei a filosofia de que, se for realmente importante e pertinente pra minha vida saber do que anda ocorrendo neste planeta que divido com mais de seis bilhões de indivíduos, a notícia fatalmente chegará até mim de alguma forma. E tem funcionado muito bem até aqui.

Nos últimos anos, sem parar mais que um minuto diante da televisão, fiquei sabendo da garota que foi empurrada de um prédio pelo pai e a madrasta; da garotinha, filha de pais portugueses, se bem me lembro, com uma mancha na íris de um dos olhos (não me recordo qual), que sumiu sem deixar vestígio num hotel (não me lembro de qual país); passei por várias crises do tráfego aéreo brasileiro, por um mensalão; e mais recentemente pela alardeada tragédia do vôo 447. São todos fatos dos quais me recordo vagamente, e cujas características que mais se fixaram na minha memória já estão muito bem estampadas na forma como os descrevi.

Pra fecharmos de vez esse assunto, basta dizer que minha relação com o resto do mundo é mais por uma espécie de "osmose informacional", do que por algum interesse meu pra saber dos acontecimentos que fluem em torno de mim.

Mas, foquemo-nos no vôo 447, que há duas semanas atrás era a notícia quente do momento. Sabe, me ocorreu agora que as tragédias humanas são para as redes de notícias do mundo inteiro o que o gado é para as indústrias de laticínios, carne, couro e doces, simultaneamente. E pra entender o que eu quero dizer com isto basta se lembrar do tratamento que os vários jornais do país deram à tragédia em questão.

A exemplo das últimas tragédias aéreas ocorridas no Brasil, os jornalistas, a cada dia, iam cada vez mais fundo no quadro que se desenhou com a queda do vôo. Começaram falando do fato em si, depois dos resgates, depois dos destroços, da caixa preta desaparecida, do estado de decomposição dos corpos resgatados, e numa das últimas notícias que me chegaram nos ouvidos enquanto eu trocada de roupa no quarto, tinha uma jornalista dando praticamente uma aula de engenharia aérea, explicando em detalhes o funcionamento de um dos componentes da aeronave.

Resumindo: se vestiram do couro, comeram a carne, fizeram uma gelatina de sobremesa, e beberam um bocado de leite pra ajudar tudo isto a descer.

Mas, estou novamente divagando... Bem, voltemos ao Michael! Um rapaz que, no fundo, tinha um sonho singelo: ser a criança que nunca foi, e mais profundamente ser algo que não nasceu pra ser.

Tá, deixa eu facilitar o que eu disse logo acima. Que ele queria ser branco todo mundo já tá cansado de saber. Que ele tinha uma fixação muito estranha por crianças também não é novidade. Mas o que ninguém sabe (suponho) é porque, ao receber a notícia de que ele estava à beira da morte, o primeiro pensamento que me ocorreu, ou pelo menos um dos primeiros, foi que talvez todo aquele estardalhaço em torno de sua saúde não passasse de uma estratégia de marketing para que ele voltasse a ser notícia. E algo com o qual vocês não hão de discordar é que, por mais decadente que vinha sendo sua carreira nos últimos anos, Michael sempre parecia dar um jeitinho de ser notícia. Sua imagem segurando o filho da sacada se tornou tão icônica quanto seu rosto deformado, e seus passos estilosos de dança, só pra ficarmos num exemplo.

Aliás, falando do grau de deformidade do cara, me lembro agora de uma época em que eu e meu irmão vivíamos chamando o Michael de "Boneco", porque foi esta a aparência que ele parecia se esforçar pra ter nos últimos anos. Há por aí bonecos de cera mais realistas que ele! Algo realmente preocupante (ou não, afinal, vai saber se não era justamente isto que ele queria).

Então, estava eu pensando na possível estratégia de Michael para se ver novamente sob os holofotes da mídia quando me veio à cabeça o caso do irmão do meu conhecido. Mas antes de mais nada acredito que caiba aqui uma breve descrição sobre esse conhecido: em poucas palavras, ele é o tipo de pessoa que gosta de aparecer, alguém que "chega chegando", e querendo que o máximo de pessoas presentes no ambiente tomem ciência do acontecimento que foi sua chegada até ali. Resumindo mais ainda: uma pessoa extremamente extrovertida, egocêntrica e vaidosa.

Já o seu irmão sempre me pareceu alguém ofuscado justamente por este contraste gritante de personalidades. Uma pessoa que não se sobressaia. Alguém "comum". Que entrava e dizia "oi", saía e dizia "tchau", e entre um e outro não passava de uma presença vagante sem contribuir com um fato memorável que fosse pra marcar aquele minuto em minha memória como um em que algo realmente aconteceu.

Daí, do nada, eu recebo a notícia de que o cara foi internado às pressas numa clínica de desintoxicação, sendo que até ontem eu nem sequer sabia que ele tinha problemas com drogas.

E desta lembrança que me ocorreu pensando na notícia da morte do Michael, ressurgiu a do vôo 447, que acabou sendo passada pra trás pela primeira como destaque nos jornais. São todas tragédias alheias. E esta é a resposta da pergunta que fiz lá no início.

Michael morreu possivelmente como conseqüência de um uso constante de drogas para preservar sua condição de "negro que queria permanecer branco", que por sua vez foram aos poucos deteriorando seu organismo até chegar ao ponto em que chegou ontem.

O irmão do meu conhecido resolveu aceitar a sugestão da mãe de se internar na clínica porque seu vício já havia chegado no limite do suportável.

E o vôo 447... Bom, este foi uma tragédia mesmo, pelos jornais para suprirem a falta de notícias realmente impactantes.

E aqui vai outra caracteristica que Michael, o irmão do meu conhecido, e os jornalistas responsáveis pelas notícias do vôo 447 têm em comum: a vontade de serem o foco das atenções, e a noção, mesmo que inconsciente, de que a tragédia humana dá mais audiência do que as alegrias.

Já pararam pra pensar no por quê de as pessoas responsáveis por impor censuras em filmes caem mais em cima daqueles com cenas de sexo explícito do que de violência gráfica? Minha opinião: porque a desgraça alheia faz bem à saúde doentia do ser humano, que se deleita, em algum nível de sua consciência, ao se enxergar menos sofredor do que aquele que sofre e é consumido por mais uma das inúmeras tragédias que este mundo pode reservar a cada um de nós. É como ganhar na loteria todos os dias, porque no fundo nos sentimos vitoriosos pelo fato de não ser conosco que está acontecendo aquilo.

Portanto, a tragédia atrai bem mais a atenção de quem a cerca. O prazer e a alegria alheios também, mas estes fortalecem uma doença que todos temos, aquela que faz com que nos sintamos um trapo quando vemos outra pessoa melhor do que nós. De modos que ver um casal numa cena de sexo explícito e selvagem faz mais mal a quem assiste do que ver uma pessoa sendo decapitada em todos os detalhes sórdidos e tétricos possíveis.

E quando uma pessoa não consegue chamar a atenção sobre si mesma através de um jeito positivo, agradável e contagiante... Bom, se ela for fraca de personalidade, resta umas fileiras de cocaína, um monte de cirurgiões plásticos sem bom senso, e um avião defeituoso pra servi-las.

Um ídolo morre, mais de duzentas almas se vão, e um rapaz assume que sua vida é consumida aos poucos pelas drogas que usa, e a humanidade se sente um pouco melhor consigo mesma, fazendo dos mortos e condenados seu gado.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

[CONTO] As Árvores da Memória - Capítulo 2

"End of the line" de Ric Stultz

Começou a imaginar como conseguiria chegar à outra entrada. Tentou calcular a distância que precisaria tomar para correr, dar impulso ao seu corpo, e pular até o outro extremo do poço. Se o pulo fosse muito alto, seria agarrada pelas mãos queimadas, e arrastada pra dentro do teto de lava, onde lhes faria companhia até que outra infeliz passasse por ali, buscando realizar a mesma loucura. Caso a força aplicada fosse baixa demais, acabaria virando a próxima e aguardada refeição das piranhas famintas lá de baixo. E no meio de tantas preocupações, cálculos e hesitações, uma lembrança acendeu-se em sua mente: a bifurcação do corredor!

Sim, ela poderia simplesmente voltar até a parte em que o corredor dividia-se, e escolher a outra vertente, a da esquerda. De repente ele saía em outro lugar totalmente diferente e, o mais importante, transponível. Sim, talvez saísse. E isto era justamente o que ela iria fazer, não fosse aquilo que ocorreu assim que deu meia volta, preparando-se para retornar até lá atrás.

O corredor fechou-se diante de seus olhos, assumindo a forma de uma parede semi-esférica, exatamente como aquela em que despertara, deixando pra trás apenas um "talvez", uma curiosidade a respeito do caminho que recusara, e uma certeza de que o momento de escolha foi literalmente engolido pelo passado.

Agora tinha espaço para dar no máximo cinco passos médios até chegar à beira do poço, depois do qual havia a entrada do outro lado, sem destino certo, e antes dela as possibilidades de morrer queimada ou devorada. Seria, literalmente, um salto de fé, que exigiria o máximo de precisão, auto-controle e muita sorte.

Não queria tornar-se prisioneira da própria indecisão, num corredor que terminava num beco sem saída, e começava na boca bifurcada da morte. Teria apenas uma chance. Sua cabeça ainda era um febril desfile cálculos inconclusos de probabilidade quando optou por mandar todos eles para os diabos, sair correndo do final do corredor e, terminando a breve corrida com o pé direito metade pra dentro e metade pra fora do poço, flexionou a perna sustentada por ele, e saltou sobre o abismo da morte carnívora, passando longe de suas bocas de dentes afiados, e roçando os cabelos de fogo nos dedos de peles derretidas pendentes daquele teto impossível, esfomeados de dor e sofrimento eternos.

O salto só não foi perfeito porque caiu do outro lado de barriga no chão, batendo forte os seios protegidos apenas pelo fino tecido do vestido. Doeu muito na hora, mas a dor foi superada pelo alívio que invadiu-lhe o ser, gritando mais alto que qualquer sensação.

Deitou-se de costas e assim ficou por alguns minutos, massageando os seios para aliviar a dor, retomando o fôlego e deixando o coração normalizar suas batidas.

Dor aliviada, fôlego retomado e coração normalizado, pôs-se de pé novamente, encarou por breves segundos o corredor à sua frente, constatando que era igual ao outro, e seguiu adiante. Mal começou a desbravá-lo quando já pôde ver seu final anunciando-se. Aparentemente dava também para um espaço mais amplo, e só esta possibilidade foi o bastante para que ela começasse a desejar fervorosamente que não fosse obrigada a realizar um outro salto insano como aquele. Mas, conforme os passos aproximavam-na do final, logo reparou que o desafio, se é que havia um, seria outro agora: avistou degraus vermelhos, finos como tábuas, que literalmente flutuavam no ar.

CONTINUA...

domingo, 21 de junho de 2009

[REVIEWS] Invasão Secreta, Trama Internacional e 24 horas

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Neste final de semana eu dei um tempo pra maratona de leitura que venho fazendo da série de livros A Torre Negra, o projeto de estimação de Stephen King, que a cada volume se torna mais viciante (qualquer hora eu falo um pouco dela por aqui). Fiz isto pra me atualizar dos últimos lances da saga Invasão Secreta, da Marvel Comics, que vem sendo publicada aqui no Brasil desde abril.

A premissa, pra quem ainda não conhece, é a paranóia causada na comunidade super-heroística quando uma invasão alienígena em escala global é realizada pela raça transmorfa conhecida como Skrulls, o que gera um problemão pra praticamente todas as equipes de superpoderosos do mundo, pois elas podem ter algum alien infiltrado se fazendo passar por um companheiro de combate.

Invasão Secreta funciona em pelo menos três níveis. Temos a mini-série em 8 edições que é o carro-chefe da história, a partir da qual se ramificam episódios mais centrados em cada subtrama que é apresentada nela de forma vaga e sintética. Destas ramificações surgem outras, mais centradas em personagens específicos, e episódios mais tangenciais, ocorrendo em paralelo, mas sem relação significativa com a saga maior.

Eu optei por acompanhar apenas a mini-série principal, e a participação dos dois títulos dos Vingadores, publicados, respectivamente, em Novos Vingadores, e Avante Vingadores.

A mini-série é basicamente a história sendo contada em formato blockbuster. Pra quem tá afim de ver só um monte de heróis paranóicos lutando uns contra os outros sem saber em quem confiar no que diz respeito à sua verdadeira identidade, ela não decepciona. Tem muita porradaria, explosões, seqüências de ação, mas até o momento não esclareceu muito a respeito das origens da conspiração skrull, que é o que mais têm mantido o meu interesse na história.

Particularmente tenho gostado mais dos episódios que exploram mais a fundo o que é mostrado apenas de relance na mini, em particular os vistos em Novos Vingadores e Poderosos Vingadores, ambas escritas porBrian Michael Bendis, que, como de costume, capricha nos diálogos, e apresenta explicações convincentes sobre a forma como a conspiração skrull se construiu até chegar ao ponto em que consegue derrubar tantas defesas ao redor da Terra num sincronismo jamais visto.

É a velha história da invasão alienígena, já muito desgastada nos quadrinhos, sendo levada às últimas conseqüências.

Dentro das histórias "menores" ligadas tangencialmente ao evento, o destaque fica pra trama paralela que vem sendo publicada no título Universo Marvel protagonizada por Hércules e seu parceiro-mirim Amadeus Cho, onde deuses de diversas culturas e religiões se reúnem numa conferência para montar uma equipe de divindades a fim de combater o panteão skrull, que também tem uma parcela de participação na saga. Por serem histórias que optam por encarar a saga de uma forma mais leve e bem humorada, contrastando com o clima tenso e paranóico que ronda os outros títulos que a compõem, já merece uma lida.




E no cinema...


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Assisti Trama Internacional hoje, o novo filme do diretor Tom Tykwer, o mesmo que em 1998 foi o responsável pelo hit Corra Lola, Corra. Desta vez ele trabalha com Clive Owen e Naomi Watts no elenco, numa história de ação e suspense que explora um tema que já não é mais novidade dentro do gênero: indivíduos idealistas combatendo a corrupção das grandes corporações em sua fome insaciável por lucrar cada vez mais com a promoção de guerras em países do terceiro mundo.

O filme inteiro é tenso, traz interpretações que se equilibram, sem que nenhum ator chegue a se sobressair. Enfim, tudo muito eficiente e na medida certa.

O maior destaque, e principal fator que faz valer o ingresso, fica pro tiroteio dentro de um museu cujas galerias são dispostas em espiral ascendente. É o grande momento do diretor e do responsável pela edição e montagem do longa.

O final não poderia ser mais angustiante. Bem "mundo real" mesmo, embora, ironicamente, ao assisti-lo, eu tenha me lembrado do lema da Hidra (uma equipe de supervilões terroristas da Marvel, que por sua vez tem seu conceito baseado na criatura mitológica): "Corte uma cabeça, e outras duas crescerão em seu lugar."

Ah sim, e o vilão principal do filme, interpretado por Ulrich Thomsen, é uma mistura de Quentin Tarantino e Sting:

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Recomendo.


Enquanto isto, em 24 horas...


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Estou quase no final da 7ª temporada, que vem se mostrando uma das melhores desde a 3ª. Eu realmente não faço idéia de como o Jack Bauer vai se safar da situação em que se encontra e sobreviver pra voltar na já confirmada 8ª temporada da série.

Os roteiristas foram bem ousados até o ponto em que assisti. Sobrou ataque terrorista até pra Casa Branca desta vez. E até o momento gostei de ser pego de surpresa diversas vezes achando que estava perto de saber a origem da ameaça da vez, quando na verdade estava bem longe disto.

Vem sendo também uma das temporadas que mais vezes deu a entender que a crise estava definitivamente resolvida só pra, minutos depois, jogar os personagens de encontro a outra, e felizmente sem ter forçado a barra, como já ocorreu em algumas das últimas temporadas, especialmente na 5ª. Meus parabéns aos roteiristas.

Se conseguirem manter o nível apresentado até aqui, talvez ainda reste esperança de pintar uma 8ª temporada que feche com chave de ouro a saga de Jack Bauer, um dos heróis mais trágicos a pintar numa série de TV. E Kiefer Sutherland continua mostrando o trabalho de interpretação competente que vem segurando a série nas costas desde seu início, há 7 anos atrás, sendo explosivo e durão quando é necessário, e comovente quando precisa fazer com que nos importemos com o destino de seu personagem. Que continue assim até sua despedida, que talvez ocorra no próximo ano. Vai deixar saudade.




Bom, vou ficando por aqui. No próximo post tem o 2º capítulo de As Árvores da Memória. Ah, ainda não leu o primeiro? Então clique aqui e confira.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

[CRÍTICA] Adrenalina 2


Titulo original: Crank 2: High Voltage
Titulo no Brasil: Adrenalina 2
Duração: 96 minutos
Gênero: Ação
Direção: Brian Taylor, Mark Neveldine
Roteiro: Mark Neveldine, Brian Taylor
Ano: 2009
País de origem: EUA

ELENCO
Jason Statham (Chev Chelios)
Amy Smart (Eve)
Corey Haim (Randy)
Dwight Yoakam (Doc Miles)
Bai Ling (Ria)
Joseph Julian Soria (Chico)
Clifton Collins Jr.
Efren Ramirez (Venus)
Holly Weber (Goldie)

Se em determinado momento de Adrenalina 2 você desconfiar que seu vizinho de poltrona no cinema te sacaneou jogando anfetamina em pó no seu copão de Coca-Cola, não se desespere, é efeito do filme mesmo, que praticamente não dá descanso ao espectador em seus esporros frenéticos de ação.

Continuação do longa de 2006, Adrenalina 2 já começa com a primeira das muitas referências ao mundo pop que recheiam o filme, recaptulando os momentos finais da produção anterior no estilo daqueles games antigões do pré-histórico Atari. Corta pra explicação de como Chev Chelios sobreviveu à queda de helicóptero que encerra o primeiro filme, numa das cirurgias de transplante cardíaco mais porcas já filmadas. Ele logo dá um jeito de fugir do lugar onde é usado como doador involuntário de órgãos após saber qual seria a próxima parte que arrancariam dele pra satisfazer os desejos sexuais de um mafioso. Se até o final desta cena você ainda não tiver sacado qual é a intenção dos realizadores do filme, os caras facilitam sua vida na primeira seqüência de ação, que termina com uma das cenas de tortura mais inusitadas já concebidas, envolvendo um cano de espingarda indo aonde nenhum outro jamais ousou se enfiar.

Daí pra frente a "história" do filme começa pra valer, com o matador de aluguel inglês esquentadinho, interpretado por Jason Statham, numa corrida que percorre todo o filme em busca do coração que lhe roubaram pra salvar a vida de outro mafioso (um dos muitos que inundam o filme). Para permanecer vivo até encontrá-lo ele terá que manter carregado um coração elétrico que implantaram provisoriamente em seu peito, enquanto tenta sobreviver aos muitos reencontros com uma série de inimigos de seu passado que só pensam em fuder com a vida dele. Está apresentada a premissa de um dos filmes de ação mais porra-louca já feitos.

Tenha em mente pelo menos 6 fatos relacionados a Adrenalina 2:

1º) Chev Chelios é um inglês muito puto que não economiza na hora de pensar nas formas mais sacanas e bizarras de manter seu coração elétrico carregado, o que dá origem a cenas que vão do hilário ao altamente non-sense, o que me fez respeitar a coragem de Jason Statham, e sua parceira de elenco, Amy Smart, na cena mais constrangedora e absurda do filme (o que, acredite, é um feito em um filme com tantas outras), a qual potencializa a idéia de outra cena vista no filme anterior;
2º) Tem tiroteio que não acaba mais. Dentro de boate de striptease, num puteiro, dentro de uma limosine (num dos muitos momentos WHATAFUCK de Adrenalina 2);
3º) É o único do gênero que apresenta um personagem com uma doença rara, a TCT (o significado da sigla só assistindo mesmo pra descobrir), o que rende algumas das cenas mais hilárias do longa;
3º) Nunca os chineses foram representados de maneira tão estereotipada em um filme;
4º) A frase FUCK YOU, CHEV CHELIOS vai ficar por um bom tempo rondando sua cabeça;
5º) É um longa de ação feito pra machões machistas (e, não, eu não estou sendo redundante ao dizer isto), o que nos leva ao próximo fato;
6º) Nunca as mulheres foram tão ostensivamente representadas como objetos de cena como neste filme, o que faria Rorschach, de Watchmen, sair do Cine Utopia de sua Nova York dizendo algo como:



Mais explícitos que os closes sexuais reservados para as muitas mulheres que se exibem no decorrer da película acho que só mesmo em um filme pornô, o que talvez tenha feito os diretores se sentirem um tanto culpados por isto e incluírem a seqüência na qual atores de filmes do gênero aparecem pra interromper uma perseguição de carros com um protesto reivindicando o aumento de seus salários.

Mas, não dá pra não se deixar afetar pelas cenas de ação, todas embaladas por rock pesado e heavy metal, que casaram perfeitamente com a correria infernal de seu protagonista e as seqüências de tiroteio, funcionando tão bem nestas a ponto de em muitas delas os diretores do longa optarem por omitir o som das balas disparando e substituí-lo pelas batidas rápidas e intensas das músicas. Para os fãs do gênero é um prato cheio, que me fez lembrar daquelas propagandas de esportes radicais tão comuns em SporTV's e ESPN's da vida, cheias de cortes rápidos, e cenas de tirar o fôlego.

A montagem e edição do filme é ótima. E mesmo tento muitos cortes rápidos, estes não são daquele tipo horrível que confundem mais do que esclarecem o que está acontecendo (mas, não recomendo àqueles com labirintite e epilépticos).

Deu pra notar que todos os atores curtiram muito a zueira total que permeia todo o longa, que cede espaço até pra uma homenagem pra lá de nostálgica aos fãs de super sentais, sem nenhuma razão de ser, só porque deu vontade mesmo (impressão que temos de um punhado de outras cenas). É este o espírito de Adrenalina 2, a ação pela ação.

Enfim, é um filme pra NÃO se assistir acompanhado de namorada, esposa ou pretendente. Adrenalina 2 é pra sentar, relaxar, e aproveitar o gozo de uma hora e meia que é esse representante insano e "cheirado" que ele parece ter orgulho de ser, e fazer questão de que não está nem aí pra quem não quer aproveitar o que ele proporciona, mensagem esta que Chev deixa bem clara em sua última cena antes dos créditos finais (recheado de cenas extras, portanto, não saia do cinema antes das últimas letrinhas subirem na telona).


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Comentários:

O Rorschach! haha ri demais! Pela sua crítica esse filme parece ser como os filmes de Guy Ritchie! Deu vontade vê-lo.

Lucil Jr | Email | 21-06-2009 21:38:35

quarta-feira, 17 de junho de 2009

[CONTO] As Árvores da Memória - Capítulo 1

White Corridor de alitrav

Estava deitada, encolhida num canto. Usava um vestido laranja que combinava perfeitamente com seus cabelos flamejantes. Acordou, espreguiçou-se, sentiu-se leve dentro da roupa macia e confortável, e notou que além de seu tecido nada mais cobria seu corpo por baixo. Em seguida veio o frio, que começou dos pés descalços, subiu pelas pernas, passou pelo ventre, percorreu o tórax, espalhou-se pelos seios de mamilos endurecidos, e deles fluiu para os braços, para a nuca, cujos cabelos arrepiaram-se, alastrando seu arrepio para cada pêlo do corpo abaixo.

Sentia-se praticamente nua diante daquele frio, branco e estéril corredor que abria-se à sua frente. As paredes, o teto e o chão emitiam uma luz pálida, e não apresentavam qualquer tipo de lâmpada como foco de luminosidade, embora estivesse uniformemente iluminado. O teto com as paredes, e estas com o chão uniam-se não em ângulos retos mas em curvas suaves. Na hora em que preparava-se para dar um impulso flexionando as pernas a fim de levantar-se, seus pés escorregaram no chão, em um declive arredondado. Foi só então que notou que o local onde estivera deitada tinha a forma de uma meia-esfera, para a qual as curvas formadas pelo encontro entre as paredes, o teto e o chão do corredor à frente convergiam, fechando-se.

Engatinhou até o ponto mais próximo onde o chão era plano, e tentou novamente pôr-se de pé. Conseguiu. Deu uma olhada mais atenta ao lugar onde dormia e constatou não apenas que era perfeitamente esférico, como também que não fazia a menor idéia de como havia chegado até ali. Olhou uma segunda vez para o confortável vestido laranja, e não conseguia recordar-se de como e onde o conseguiu. Tateou seus cabelos levando um chumaço até o alcance dos olhos: eram ruivos, ondulados e brilhantes. Não os reconhecia. E assim foi com a branca e pálida pele de seus braços e pernas, muito macia e sedosa. Olhou dentro do vestido e não reconheceu aqueles seios do tamanho de maçãs, com pequenos mamilos rosados. Olhou seu sexo, coberto por um triângulo simétrico de ponta cabeça formado por pêlos ruivos, mas a ignorância sobre si mesma prevaleceu. Na falta de um espelho, apalpou o rosto, construindo em sua mente um desenho tridimensional rústico dos traços tateados. Tinha o nariz pequeno, fino. A boca era de lábios modestos, nem muito estreitos, nem grossos demais. O queixo mal chegava a três dedos, fazia uma elegante curva para trás, e trazia em si um raso furinho. As sobrancelhas eram discretas, harmoniosas. As bochechas tinham carne o bastante para não voltaram-se pra dentro. Imaginava-as um pouco rosadas. A face era oval. Concluído o auto-retrato mental, já podia pelo menos enxergar-se como superficialmente bela. Faltava descobrir de que ingredientes era feita tal beleza.

Sem contar por hora com mais recursos para prosseguir em sua busca por si mesma, voltou a encarar o branco corredor, e decidiu seguir adiante. Andou por alguns metros até deparar-se com uma curva, que só foi capaz de notar quando já estava muito próxima dela, graças ao leve contraste entre a parede da direita, que fechava-se para a esquerda, e a da esquerda, que abria-se. Virando, encontrou um novo corredor, idêntico ao primeiro, e por ele prosseguiu. A próxima curva que surgiu virava para a direita. Passando por ela, notou que o corredor seguinte declinava levemente, e passados alguns metros, desenhava uma subida bem íngreme. Teve um pouco de dificuldade para subi-lo, chegando a escorregar diversas vezes, numa delas, inclusive, esticando muito seus braços e pernas, agarrando-se nas paredes. Com muito esforço pôs-se de pé, e terminou a subida apoiando-se na parede esquerda, dando passos muito calculados e pacientes. Terminada a rampa o corredor prosseguia por mais uns poucos metros, e uma nova curva surgia. Esta conduzia a um corredor que logo adiante bifurcava-se em "V".

Decidiu-se pela bifurcação direita, sem refletir muito antes de fazer a escolha, e continuou andando.

Não sabia dizer por quanto tempo andou ao longo do corredor escolhido, mas certamente diria que foi muito. Durante todo o percurso não houve mais curvas, nem declives ou aclives. Seguiu reto toda a vida até ver um ainda distante pontinho alaranjado. O pontinho alargou-se aos poucos diante de seus olhos, e algum tempo depois dividiu-se em dois.

Conforme avançava os pontos viraram borrões, que se tornaram ondulantes e serpenteantes reflexos. E quando já estava muito próxima deles, notou que coloriam o chão e o teto do fim do corredor, que parecia alargar-se, talvez terminando em um amplo salão, ela supôs.

Chegando ao fim, primeiro descobriu que tratava-se na verdade de seu começo. Depois, que havia uma entrada para outro corredor, vários metros adiante. E finalmente, que entre as duas entradas havia um poço perfeitamente circular, cujas águas, que calculava estar a uns dez metros abaixo, estavam infestadas de piranhas, e o teto, cerca de dois metros acima, era na verdade um poço de lava borbulhante que pela própria existência desafiava uma lei fundamental da física, pois dele não caia uma gota sequer, mas em compensação mãos queimadas com garras emergiam constantemente dele, sedentas por agarrar algo ou alguém que por ali tentasse passar.

Diante daquele cenário, não pôde evitar dois pensamentos: "Isto explica os reflexos que vi lá de trás" e "Como vou passar pro outro lado?!"

CONTINUA...

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Comentários:

Ricamente descritivo! Parece um roteiro do Tarkowski.Lembrou-me, particularmente, uma cena de Stalker. E tem os deltalhes e a precisão descritiva de um E.A. Poe. Acompanharei sempre aqui, agora! Vontade ler logo a continuação!

Lucil Jr | Email | 21-06-2009 21:29:26
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Adorei a 'cara' nova do blog! E nem preciso dizer que to curiosa pela continuação da história.

Daína | 18-06-2009 13:28:09
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Um tanto quanto bizarra e onírica essa situação em que a ruivinha se encontra. E fico no aguardo dessa continuação.

Aélsio Viégas | Email | 18-06-2009 10:58:00