quarta-feira, 25 de maio de 2011

[DESABAFO] Um Pálido Reflexo do que Foi Outrora

Este blog sempre foi um caos. Nunca seguiu uma única linha que orientasse seus posts. No início isto atraiu a atenção de muitos leitores, a maioria amigos meus. Eu escrevia sobre filosofia num post, no próximo postava algum desenho, uma tirinha desenhada toscamente, alguma foto ridícula minha, algum comentário idiota sobre algo que aconteceu, ou um relato sobre como foi meu dia ou minha semana, e assim seguiu por um tempo. Depois veio a fase da série de tirinhas Contos da Inexistência, protagonizada por mim, seguida da saga protagonizada pelos então Catabianos (Suki, Queza, Lolo, Tabi, Sarampo, e Lali), e depois disto vieram Bub e Bobo. Cada uma dessas fases refletindo direta ou indiretamente o que ocorria na minha vida, sejam as amizades que eu mantinha com um grupo de amigos com quem só tinha contato via internet, seja a frustração de estar num emprego onde meu trabalho não era devidamente valorizado, e lidava com um chefe que era um poço de ignorância.

Com o passar do tempo procurei criar um sistema, em que o blog se movia basicamente de tirinhas, alguns contos, e um ou outro post que abordasse minha vida pessoal. Teve uma fase em que eu parei de vez com as tirinhas e resolvi que só escreveria contos, e a partir daí a audiência do blog começou a cair.

A verdade é que o que me motivou a escrever este post foi a viagem no tempo que andei fazendo no último mês enquanto transferia pra esta versão do blog todos os posts, acompanhados de seus comentários, que se encontravam na versão antiga dele. Como bloquearam meu acesso à minha conta no Blogger da Globo, resolvi fazer isto como uma medida preventiva, antes que resolvam apagar meu blog antigo de seus servidores. Além disto, sempre fui um sujeito nostálgico, que procurava constantemente preservar lembranças escritas sobre minha vida. Houve uma época que eu chegava ao ponto de salvar em arquivos com todas as principais conversas que eu tinha com meus amigos no MSN (tenho muitas delas gravadas em CD até hoje). Portanto, não seria muito diferente no caso do meu blog. Já tive um no hoje falecido Weblogger, a primeira versão do Existindo na Inexistência, que apesar de não existir mais online, ainda tenho arquivado num CD. Ainda penso em acrescentar ao arquivo online da versão atual os posts que publiquei lá, pra unificar tudo.

(estou digitando livremente isto aqui, sem muito objetivo mesmo, então perdoem qualquer falta de um)

Acontece que o Existindo na Inexistência é um dos melhores registros do que foi minha vida nos últimos 9 anos. Dia 30 de maio o blog completa esta idade desde sua primeira versão. Não há muito o que comemorar na verdade, e nem penso em fazer nada de especial. Talvez isto aconteça ano que vem, quando o blog completar 10 anos de atividade, mas até lá ainda há de acontecer muita coisa, e nem sei se estarei no clima de fazer algo na ocasião.

Bom, o que estou tentando dizer aqui é que o blog claramente passou por muitas mudanças, que vão desde várias mudanças de postura quanto ao que postar, ao uso de colaboradores, algo que não aconteceu com tanta freqüência até 2009, quando resolvi aumentar o espaço para a participação de alguns amigos meus por aqui. Durou pouco mais de um ano até o gás acabar, e o blog ficar parado por meses.

Infelizmente o que acontece atualmente na internet não é nada animador para blogueiros da primeira geração que escreviam mais textos do que sustentava seus blogs com memes, vídeos do YouTube, ou links para outros blogs mais interessantes, tornando o aumento da audiência seu principal objetivo. Claro que quando nos propomos criar um blog, um do nossos principais objetivos é encontrar nosso público cativo, e esperar dele alguma participação que tanto nos incentive como nos ajude a nos aprimorar como escritores, ou desenhistas, no caso de quem faz tirinhas, como já foi meu caso diversas vezes. No início eu contava com um público razoavelmente fiel, que se deixou atrair pela experiência multifacetada que eu proporcionava. Talvez, apesar de eu ser mais jovem na época, eu era mais esperto, não conscientemente, mas deixava minha criatividade fluir sem muitas amarras, e daí surgia aquele caos todo do início. Se alguém não gostava de ler minhas longas, e muitas delas maçantes, reflexões filosóficas, tinha as tirinhas que eu fazia, ou algum post que abordava um assunto mais trivial de forma bem humorada, ou ainda alguma massagem de ego que eu proporcionava quando postava algo sobre meus amigos, fosse um desenho deles, um post felicitando-os pelo aniversário, ou uma foto comparando um deles com algum ator/atriz ou cantor(a) famoso(a). Coisas bobas, sem muito propósito, mas que agradam as pessoas justamente pela falta de grandes pretensões.

Uma coisa que notei enquanto fazia essa transferência de arquivos do antigo para o novo blog é que eu desaprendi a me divertir com o blog. Lembro que muitas vezes me dava a louca de dizer alguma coisa, ou desenhar, ou escrever, e eu ia lá e escrevia ou desenhava, sem muita razão de ser, e mesmo que saísse de qualquer jeito eu postava. Hoje isto meio que ficou relegado a meus tweets e minhas publicações no Facebook. Alguns aspectos de minha vida online se diluíram também para redes sociais como a Filmow e a Skoob. Às vezes sinto falta do Existindo na Inexistência como centralizador de minhas atividades, mas, é algo que claramente faz parte do passado. A gente tem que se adaptar às mudanças, e talvez uma das maiores foi a dissolução de meu "público-leitor". Na verdade hoje ele praticamente inexiste. Há pessoas que acompanham as notas sobre filmes que escrevo no Filmow, e vez ou outra algumas pessoas elogiam o que escrevo por lá, mas nada como foi um dia aqui. Talvez eu não sirva pra isto, como ficou claro pela pouca atenção e participação que tiveram as críticas que postei por aqui nas últimas semanas.

Eu ando desmotivado de escrever, é isto. Cansei de escrever contos e críticas que são, em sua grande maioria, ignorados. Eu dependo de opiniões e críticas sobre o meu trabalho pra saber se estou fazendo a coisa certa, se estou seguindo o melhor caminho, e a ausência de leitores críticos sempre foi um problema que enfrentei aqui no blog desde o início. Salvo algumas exceções, a maioria me deixava no escuro quanto ao que eu estava fazendo, mas ainda sinto-me agradecido por quem participava do blog ativamente comentando posts, mesmo que de maneira superficial.

Meu blog já não tem mais o mesmo alcance que teve outrora. Muitos dos amigos que apareciam por aqui, me privilegiando com sua atenção e palavras, já não mantém mais contato comigo. Em parte isto é culpa minha, que me afastei de alguns deles por motivos variados, em parte é deles mesmos por perderem o interesse, ou porque estão ocupados cuidando de suas vidas, de seus problemas, dando um rumo pra elas, enquanto eu basicamente continuo girando em falso, sem saber muito bem o que fazer da minha.

Já tentei muita coisa. Tentei tomar muitos caminhos, iniciei muitos projetos solo e coletivos, que no final não deram em nada. Aqui no blog mesmo há uma parcela deles que ficaram incompletos. Alguns ainda devem se lembrar da série de tirinhas da Tartaruga, cuja última prometeu uma continuação que nunca veio. Outros podem se recordar da série de contos Árvores da Memória, que está paralizada há mais de um ano. Deve haver também aqueles que se lembram de Clara, cuja história foi interrompida no 6º capítulo, com a promessa de que se tornaria um livro (tenho escrito até o capítulo 17 num caderno de rascunhos, mas não mexo na história desde 2007). Essa minha mania de começar coisas e não terminá-las sempre me incomodou. Assim foi com a faculdade de publicidade e propaganda, e dois projetos de contos e histórias em quadrinhos direcionados para internet que eu faria com alguns amigos. Cansei disto em 2010, e resolvi que precisava encontrar um meio de reprogramar meu comportamento relativo à forma como eu me comprometia com aquilo que eu propunha fazer, e desde então comecei a elaborar e empregar meios mais eficazes de dividir meu tempo.

De início comecei a fazer isto para dar conta de assistir e ler tudo que vim acumulando nos últimos anos, desde livros a HQs, passando por séries de TV, animes e filmes. Depois comecei a dividir tudo isto em listas de prioridade, e comecei a ler e assistir o que eu julgava mais essencial e importante. E ao longo de 2010 fui me reeducando quanto ao uso de meu tempo livre. É um processo que dura até hoje, em que eu procuro reforçar atitudes e condicioná-las de tal forma que eu possa usar esse mesmo sistema quando finalmente voltar a pôr as mãos em alguns dos projetos que citei acima, além de outros que nem sequer dei início.

Quem me acompanha desde 2003 sabe que foram inúmeras as vezes que cheguei aqui anunciando que estava cheio de planos e idéias para serem postas em prática. No momento não posso dizer o mesmo, embora a vontade de pôr em prática algumas idéias antigas ainda exista, mas não sinto que estou no momento de fazer isto. Minha mente está sintonizada com outras atividades este ano. Muito pra assistir, muito pra ler, e espero tornar tudo que acumulei especialmente no ano passado e neste ano em referências preciosas para meus trabalhos futuros.

Eu ainda me considero um escritor mediano, que se encontra na linha tênue que separa o mediano do medíocre. Tive bons momentos, mas passei por outros tantos lastimáveis, e na viagem no tempo que realizei no último mês eu me peguei diversas vezes constrangido ao ler algo que escrevi alguns anos atrás. Isto é um problema que a maioria dos escritores têm que encarar algumas vezes na vida, sei disto, mas a verdade é que ainda me considero longe de atingir o nível ideal para me considerar um escritor, no mínimo, satisfatório. O mesmo diz respeito a meus desenhos, na verdade no caso deles é ainda pior. Sempre fui um cara que admirou mais as artes visuais do que a escrita, embora eu tenha mais facilidade para escrever. E quando me pego comparando meus trabalhos aos de outras pessoas, tudo que recebo em troca é falta de entusiasmo. Sei que é errado me comparar a caras cujo trabalho está anos-luz de qualidade do que eu produzi até hoje, e que tenho que seguir o meu ritmo, mas muitas vezes é inevitável que isto aconteça.

Meu Deus, acho que este texto não vai terminar nunca se eu não tomar uma atitude!

Bom, eu tinha mais coisas sobre o que falar, mas, pra variar, me perdi no meio do caminho, e agora já não me lembro delas. Que fique aqui registrado que estou ciente do que eu fui, e tenho vergonha de muito do que escrevi e postei por aqui em anos anteriores, mas, ao mesmo tempo, tenho algum orgulho de manter-me coerente com o objetivo deste blog, que é servir de registro sobre quem eu fui e como eu agia e pensava, sobre minhas amizades e atividades criativas um tanto canhestras. Não quero esconder isto de ninguém, mesmo porque tais informações estiveram sempre acessíveis a qualquer um que quisesse ter acesso a momentos de minha vida que não tenha acompanhado de perto.

Não me considero uma pessoa misteriosa, apenas reservada. Apesar disto, tenho alguns segredos e pensamentos que prefiro guardar pra mim, e quando sinto a necessidade de expô-los eu faço isto num diário secreto onde escrevo vez ou outra algo que eu não tenho coragem de dizer pra mais ninguém. Às vezes fico brincando com a idéia de que um dia alguém vai descobrir esse diário e publicá-lo após minha morte. Imagino que até lá eu serei um escritor ou um autor de quadrinhos famoso, e o conteúdo do diário despertará muita curiosidade da parte de meus conhecidos, que terão acesso a revelações jamais imaginadas a respeito de minha pessoa. Mas a verdade é que o que escrevo nele é tão digno de constrangimento que eu espero que jamais venha a tornar-se público.

Até pensei em encerrar o post com um "aqui me desanexo" em nome dos velhos tempos, mas isto aqui já está saturado o suficiente de nostalgia. Digo, então, um "até logo, e obrigado pelos peixes!"

sábado, 21 de maio de 2011

[CRÍTICAS] Possuídos :: O Padrasto :: O Segredo do Lago

Possuídos (Bug, EUA e Alemanha)

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Diretor: William Friedkin
Roteiro: Tracy Letts
Elenco: Ashley Judd (Agnes White), Michael Shannon (Peter Evans), Harry Connick Jr. (Jerry Goss), Lynn Collins (R.C.) , Brian F. O'Byrne (Dr. Sweet)
Ano de lançamento: 2006
Duração: 102 min.

Sinopse: Após escapar de Goss, seu ex-marido abusivo, recentemente solto da prisão, Agnes, uma solitária garçonete com um passado trágico, muda-se para um motel barato de beira de estrada. Um dia R.C., sua colega de trabalho lésbica, apresenta-lhe Peter, um sujeito peculiar e um tanto paranóico, com quem Agnes começa a ter um romance. Porém, as coisas não são como parecem, e Agnes está prestes a experimentar um pesadelo claustrofóbico quando insetos começam a surgir...

Crítica:

Possuídos é daquele tipo de suspense que sustenta-se mais pelas sensações que desperta, do que pelas grandes revelações que reserva ao espectador.

É interessante acompanhar a progressão da história, a começar pela forma gradativa com que é construída. Desde o plano aéreo inicial, em que a câmera se aproxima lentamente do motel em que Agnes vive, rodeado por um deserto que mais tarde mostra-se um reflexo do quadro emocional da personagem; até a longa seqüência de abertura, na qual é perturbada diversas vezes por telefonemas em que a pessoa do outro lado da linha não diz nada. William Friedkin, em poucos minutos, estabelece a atmosfera e apresenta o cenário onde grande parte da história se desenrolará.

Confesso que este é o primeiro filme que assisto com Ashley Judd, mas já fiquei impressionado com o seu talento. Sua interpretação é convincente e cheia de nuances. O desleixo de Agnes nas primeiras cenas gera certa antipatia, mas graças à competência da atriz, e ao ótimo roteiro, logo entendemos os motivos que a levaram a adotar aquela postura, e não demora para que nos simpatizemos com ela, e enxerguemos a beleza que se esconde por trás daquela amargura e baixa auto-estima que vemos no início (claro que ajuda o fato da atriz ser bonita, mesmo com as gordurinhas a mais que a personagem exigia, além de ter um sorriso lindo). Toda insegurança e carência afetiva de Agnes, que não hesita em satisfazê-la com pessoas que lhe dão um pouco mais de atenção, como sua amiga R.C. (Lynn Collins), são bem retratadas por Ashley Judd, assim como a instabilidade de seu humor, que ao primeiro sinal de que está sendo magoada não hesita em deixar sua raiva explodir na cara de quem a fez sofrer.

Mas Possuídos não seria um filme tão magnético sem a outra metade de sua força motriz: Michael Shannon. Seu personagem entra timidamente na história, mas aos poucos toma conta dela e a domina com a mesma eficácia com que estabelecesse um vínculo afetivo-paranóico-obsessivo com Agnes. Shannon é hipnótico em cena, com seus maneirismos, seu olhar perturbador e suas neuroses, tornando Peter imprevisível. É especialmente graças a ele que o filme é tão eficiente na construção de seu suspense.

Paranóia é o que comanda todo o longa e o define. O importante não é entender a origem do que acomete o casal, mas tornar seu público tão obcecado pela verdade quanto Agnes e Peter, a ponto de arrastá-lo pela mesma viagem alucinante a que são submetidos, regada a conspirações governamentais e insetos que só eles enxergam, e cuja presença só eles sentem.

William Fredkin pega o espectador pela mão e o leva até o final sem tropeços, tornando-o a cada passo mais envolvido pela situação kafkaniana de seus protagonistas, e o mantém prisioneiro do quarto de motel de onde Peter e Agnes poucas vezes saem. O desejo do diretor de tornar seu público íntimo de seus personagens evidencia-se especialmente na cena de sexo do casal, em que lampejos da nudez dos atores criam um erotismo minimalista muito eficiente nas sensações que desperta. E aqui cabe elogiar a excelente montagem, que dá ao longa um ritmo compassado e quase hipnótico, que aumenta o interesse do espectador pelo desenrolar dos fatos.

Preservando a natureza incômoda dos eventos, e a incerteza quanto à origem deles, o roteiro é hábil ao oferecer algumas possíveis explicações através da lógica distorcida de seus protagonistas, sem confirmá-las totalmente. Ao encerrar a narrativa sem abrir mão de contar a história apenas do ponto de vista do casal, William Friedkin respeita a lógica interna do longa, concluindo-o no exato momento em que Agnes e Peter chegam a uma resolução para seus conflitos. Para o casal, qualquer explicação que não partisse deles seria insatisfatória e não confiável, tamanho o estado de paranóia em que se encontram no ato final (o visual "alienígena" que o quarto do motel adquire é um indicativo de quão distanciados da realidade exterior eles estão). Uma conclusão corajosa para um suspense imprevisível.

Nota: 4 de 5


O Padrasto (The Stepfather, Reino Unido e EUA)

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Diretor: Joseph Ruben
Roteiro: Carolyn Lefcourt, Brian Garfield e Donald E. Westlake
Elenco: Terry O'Quinn (Jerry Blake), Jill Schoelen (Stephanie), Shelley Heck (Susan), Charles Lanyer (Dr. Bondurant), Stephen Shellen (Jim Ogilvie)
Ano de lançamento: 1987
Duração: 89 min.

Sinopse: Um homem obcecado por valores familiares chamado Jerry Blake casa-se com mães viúvas e divorciadas. Sempre que sua nova família desvia-se dos padrões que ele julga os mais corretos, Jerry mata mãe e filhos, altera sua aparência, assume uma nova identidade, e muda-se para uma nova cidade, onde recomeça seu ritual. Agora é a vez de Susan, e sua filha adolescente Stephanie, mas a garota logo mostra que não será um alvo fácil.

Crítica:

Com uma boa premissa, e um personagem cuja verdadeira natureza é exposta logo na seqüência de abertura, O Padrasto começa promissor, mas infelizmente mostrasse irregular na execução.

Terry O'Quinn é bem sucedido na composição de Jerry Blake, que de início choca, para logo adiante despertar curiosidade ao surgir como um marido carinhoso e um padrasto atencioso. Seus monólogos no porão da casa são bem trabalhados, oferecendo pistas sobre a origem de sua psicopatia, sem entrar em detalhes.

A história ainda conta com outra personagem interessante, a adolescente Stephanie, vivida por Jill Schoelen, que foge dos padrões da época, brigando com socos e pontapés com uma colega de escola que a ofende (no lugar dos clássicos puxões de cabelo); tomando a iniciativa e flertando sem inibições com um garoto; e conduzindo sua própria investigação para descobrir o segredo de Jerry.

Mas, exceto por Charles Lanyer, que torna seu Dr. Bondurant um personagem simpático, o restante do elenco é regular. Susan (Shelley Heck) é insossa e insuportavelmente submissa, e Jim (Stephen Shellen) tem a subtrama mais inútil e tediosa do longa.

O roteiro ousa ao incluir insinuações de que o Dr. Bondurant tem interesses mais platônicos do que profissionais por Stephanie, além de duas cenas rápidas em que a garota aparece nua durante o banho (apesar de Jill Schoelen ter 24 anos na época, vale lembrar que sua personagem tem 16 anos no filme). Na mesma seqüência Joseph Ruben faz uma "meia-homenagem" ao clássico Psicose, levando o espectador a acreditar que verá uma nova reprodução da cena icônica do filme de Hitchcock, apenas para ir contra as expectativas criadas, um detalhe que particularmente me agradou por fugir do óbvio. Infelizmente o filme surpreende apenas nesta cena, pois em nenhum outro momento a história consegue manter o espectador incerto sobre o que virá a seguir.

Previsível e formulaico do início ao fim, O Padrasto vale mais pela curiosidade de assistir Terry O'Quinn, o John Locke da série Lost, interpretando um personagem bem diferente daquele que viveu em seu trabalho mais conhecido.

Nota: 3 de 5


O Silêncio do Lago (Vanishing, Holanda e França)

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Diretor: George Sluizer
Roteiro: Tim Krabbé e George Sluizer
Elenco: Bernard-Pierre Donnadieu (Raymond Lemorne), Gene Bervoets (Rex Hofman), Johanna ter Steege (Saskia Wagter), Gwen Heckhaus (Lieneke)
Ano de lançamento: 1988
Duração: 107 min.

Sinopse: Rex e Saskia, um jovem casal apaixonado, sai de férias. Numa parada em um posto de gasolina Saskia desaparece. Rex passa os próximos três anos tentando encontrá-la, até o dia em que começa a receber cartões postais de alguém que promete revelar o que aconteceu com Saskia.

Crítica:

O que mais chama a atenção em O Silêncio do Lago é sua estrutura narrativa. A história vai e volta no tempo sem rodeios, algumas vezes surpreendendo o espectador ao revelar que determinada cena se passa antes da que acabamos de assistir. Aí reside grande parte da inventividade do longa.

Rex e Saskia surgem como um casal comum, que em questão de minutos se diverte num jogo de adivinhações enquanto viajam, para logo em seguida mergulhar num clima desconfortável quando a gasolina do carro acaba dentro de um túnel escuro, e o rapaz deixa a moça sozinha enquanto parte atrás de combustível. É uma cena importante pela maneira como tal fato afetará Rex mais adiante na história, e por introduzir um elemento simbólico que voltará em diversos momentos do filme: o sonho enigmático de Saskia. Mais sobre ele logo abaixo.

Após fazerem as pazes num posto de gasolina, é a vez de Saskia deixar Rex sozinho para comprar alguns suprimentos para o resto da viagem. Quando o rapaz acha que ela está demorando demais, é inevitável que pensemos que trata-se de uma vingança da garota pelo que seu namorado fez com ela mais cedo. Porém, quando Rex começa a reunir informações sobre os últimos passos de Saskia, os fatos apontam para algo mais aterrador. E esta é apenas a introdução da história.

A grande sacada do roteiro é levar o espectador a acreditar que a trama será totalmente focada nos esforços de Rex para encontrar Saskia, apenas para mudar seu foco para a história de Raymond Lemorne (Bernard-Pierre Donnadieu), o sujeito que a seqüestrou. A partir daí o filme reconstrói toda a cadeia de acontecimentos que o levaram a cometer o crime, e passa a revelar as motivações do personagem, que se torna o grande protagonista do longa.

Raymond guarda semelhanças com o personagem principal do romance Crime e Castigo, de Dostoiévski, encarando o crime como um meio de pôr em prova sua filosofia de vida, mas, ao contrário de Raskólnikov, não permite que a culpa o atormente a ponto de voltar seu plano contra si mesmo, além de ter uma vida social saudável, e uma família que o respeita por ser um pai e um marido exemplar. Bernard-Pierre Donnadieu trabalha com precisão ambos os lados de Raymond, cujo plano é exaustivamente ensaiado, e revelado em detalhes, enquanto procura manter as aparências ao lado da esposa e filhas. É graças ao ator que o filme funciona como um intrigante estudo de personagem, ao mesmo tempo que oferece um suspense envolvente.

Voltando ao sonho de Saskia, a dupla de ovos dourados flutuando num espaço negro ganha várias rimas visuais em diversos pontos da narrativa, como nas cenas noturnas protagonizadas por Rex, onde o brilho amarelado dos faróis de carros remetem diretamente ao túnel escuro onde Saskia se lembra do sonho no início do filme. Uma forma sutil encontrada pelo diretor para ilustrar a culpa que ainda atormenta Rex, além de servir como pistas sobre o destino da garota e a conclusão da história.

Por detalhes como o descrito acima, e a forma como o roteiro trabalha a interação de Rex com Raymond, sem apelar para lugares comuns, aumentando exponencialmente o interesse e a curiosidade do espectador pelo desenrolar dos fatos, O Segredo do Lago é uma aula sobre como fazer um suspense de qualidade sem histrionismo e reviravoltas absurdas.

Nota: 4,5 de 5

sexta-feira, 20 de maio de 2011

[CRÍTICAS] Trilogia Samurai

Samurai - O Guerreiro Dominante (Miyamoto Musashi, Japão)

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Diretor: Hiroshi Inagaki
Roteiro: Hideji Hôjô, Hiroshi Inagaki e Takuhei Wakao
Elenco: Toshirô Mifune (Miyamoto Musashi / Takezo), Rentarô Mikuni (Matahachi Honiden), Kuroemon Onoe (Monge Takuan), Kaoru Yashigusa (Otsu), Mariko Okada (Akemi), Mitsuko Mito (Oko, mãe de Akemi),Eiko Miyoshi (Osugi, mãe de Matahachi), Akihiko Hirata (Seijuro Yoshioka), Kusuo Abe (Temma Tsujikaze), Eitarô Ozawa (Terumasa Ikeda), Akira Tani (Kawarano-Gonroku)
Ano de lançamento: 1954
Duração: 93 min.
Sinopse: Ao lado do amigo Matahachi, o jovem órfão Takezo deixa seu vilarejo para se juntar ao exército e enfrentar uma batalha. Vendo-se perdedores, os dois procuram abrigo numa casa isolada onde vive a viúva Oko e sua filha Akemi. Oko acaba seduzindo Matahachi, que cai na tentação da mulher e se esquece de seu noivado com Otsu. Logo Oko, Matahachi e Akemi partem para viver em outro local, enquanto Takezo resolve voltar ao seu vilarejo. Lá ele narra os acontecimentos à família de Matahachi, que além de não aceitar os fatos ainda condena o jovem Takezo por traição. Ele será salvo da morte por um monge que irá ensinar ao rapaz o código dos samurais. O destino acaba colocando Otsu e Takezo no mesmo caminho. Apaixonada, ela promete a ele que irá esperar seu retorno como um cavaleiro errante.

Crítica:

Primeiro filme da trilogia dirigida por Hiroshi Inagaki, que adapta o livro "Musashi", de Eiji Yoshikawa, consegue ser bem fiel à obra original, apresentando várias cenas diretamente retiradas de suas páginas.

Para aqueles que leram o livro, o que de cara chama a atenção é a idade dos atores escolhidos para interpretar Takezo e Matahachi. No livro ambos começam a história com 17 anos, enquanto no filme a dupla é vivida por Toshirô Mifune e Rentarô Mikuni, respectivamente, ambos na casa dos 30. Felizmente eles conseguem conferir jovialidade aos personagens, especialmente Mifune.

O filme foi feito para agradar tanto o público masculino como o feminino, o que fica bem claro pelo quanto a história investe no interesse romântico de Otsu (Kaoru Yashigusa) por Takezo, algo que vez ou outra pesa um pouco no ritmo da história e em seu tom, que torna-se excessivamente melodramático em vários momentos, algo típico de filmes românticos da década de 1950.

Por esta primeira parte focar-se mais na fase arredia e arisca de Takezo, antes de tornar-se efetivamente Miyamoto Musashi, as batalhas de que ele participa parecem todas improvisadas e um tanto desajeitadas, o que acaba combinando com a natureza selvagem do personagem, muito bem representada por Toshirô Mifune.

O roteiro e a direção pecam em dois momentos como adaptação: na cena de abertura, e na passagem responsável por mostrar a mudança moral e psicológica de Takezo.

A cena de abertura do livro, na qual Takezo desperta após a batalha de Sekigahara em meio aos cadáveres do exército derrotado, é uma das seqüências iniciais mais poderosas já concebidas para um livro, e irresistível demais para não ser usada numa adaptação cinematográfica. Ela é forte o bastante para atrair a atenção do espectador logo em seus primeiros minutos. Infelizmente o roteiro co-escrito pelo diretor Hiroshi Inagaki opta por começar a história antes da batalha, mostrando o período em que Takezo e Matahachi viviam juntos na vila Miyamoto, algo que poderia perfeitamente surgir em flashbacks mais adiante na história.

Já o segundo erro da adaptação se encontra no ato final da história, logo após Takezo ser aprisionado no Castelo Himeji. No livro ele passa 3 anos trancado naquela sala cheia de livros estudando-os com afinco, o que acaba modificando sua maneira de enxergar o mundo e seu comportamento, além de aperfeiçoá-lo moralmente, e eliminar grande parte de sua selvageria e impulsividade, tornando-o mais humilde e civilizado. No filme tudo isto é resumido num breve letreiro que mal explica a transformação pela qual passou, e corta logo para uma cena que se passa anos depois, onde ele já assumiu uma nova postura e ganhou o nome pelo qual ficou mais conhecido. Isto poderia ser facilmente resolvido com um clip de alguns minutos, pois trata-se de um ponto importante demais para o desenvolvimento do personagem para ser coberto com um mero texto explicativo.

Apesar das falhas, o filme é feliz ao encenar passagens memoráveis da obra de Yoshikawa, como a captura de Takezo pelo Monge Takuan, e os ensinamentos que este lhe transmite enquanto fica preso na árvore da Vila Miyamoto, ambas muitos fiéis à história original. Além disto o Matahachi de Rentarô Mikuni é tão (ou mais) covarde que o visto no livro. Só senti falta de uma participação maior de Osugi (Eiko Miyoshi) na história, o que traria um pouco mais de humor ao filme, com sua rabugice e determinação cômica características.

Em suma, é uma boa adaptação, mas que poderia ficar melhor através de pequenas mudanças na montagem, e o acréscimo de algumas cenas essenciais para que a filme ganhasse mais solidez.

Nota: 4 de 5


Samurai II - Duelo no Templo Ichijoji (Zoku Miyamoto Musashi: Ichijôji no kettô, Japão)

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Diretor: Hiroshi Inagaki
Roteiro: Hideji Hôjô, Hiroshi Inagaki e Takuhei Wakao
Elenco: Toshirô Mifune (Miyamoto Musashi / Takezo), Koji Tsuruta (Sasaki Kojiro), Kaoru Yashigusa (Otsu), Mariko Okada (Akemi), Michiyo Kogure (Yoshino Dayu), Mitsuko Mito (Oko, mãe de Akemi), Akihiko Hirata (Seijuro Yoshioka), Kuroemon Onoe (Monge Takuan), Sachio Sakai (Matahachi Honiden), Yû Fujiki(Denshichiro Yoshioka), Eiko Miyoshi (Osugi, mãe de Matahachi), Daisuke Katô (Gion Toji)
Ano de lançamento: 1955
Duração: 104 min.
Sinopse: Anos depois de começar sua jornada para tornar-se um grande espadachim, Musashi volta a Kyoto para desafiar o líder da maior escola de esgrima da região. Para provar seu valor e suas habilidades, ele cai de propósito numa emboscada armada pelos seguidores da Escola Yashioka. Enquanto isto, seus feitos são observados atentamente por Sasaki Kojiro, um lutador brilhante e habilidoso, que acredita-se capaz de derrotar Musashi.

Crítica:

Neste filme os problemas encontrados na primeira parte da trilogia se potencializam. Novamente o grande destaque que a história dá para o amor de Otsu por Musashi, e para as investidas de Akemi (Mariko Okada) para conquistá-lo, acabam por prejudicar seu ritmo, e tornar a trama monótona e quase insuportável de acompanhar.

Além disto, o longa tem início com uma batalha entre Musashi e Baiken (Eijirô Tôno) totalmente descontextualizada, que além de mal conduzida, serve para introduzir Jotaro (Kenjin Iida), um personagem importante no livro, que no filme é mal aproveitado. O garoto jamais alcança alguma relevância dentro da trama principal, sendo relegado ao papel de figurante de luxo, o que é realmente uma pena, pois no livro ele é responsável por algumas das passagens mais divertidas, além de ser um dos personagens mais carismáticos da saga de Musashi. Jotaro contribuiria muito para eliminar parte da sisudez e melodrama que impediram a trilogia de entreter um pouco mais o espectador.

Hiroshi Inagaki novamente usa letreiros explicativos como muleta narrativa para cobrir pontos da história que não foram abordados diretamente no filme, chegando ao ponto de usá-los para justificar algumas atitudes tomadas por Musashi, jogando-os na tela como máximas escritas pelo personagem em algum diário, um recurso que poderia funcionar se bem empregado, mas que da forma como foi usado soa apenas como um meio preguiçoso de desenvolvê-lo.

Por fim, o tal duelo citado no subtítulo jamais alcança a maestria e o tom épico daquele descrito na obra de Yoshikawa, além de privar-se de retratar os momentos mais impactantes da batalha (no original ele chega a decaptar um garoto logo no início do embate). Seu desempenho excepcional contra toda a Escola Yoshioka é o que tornou Musashi famoso em todo o Japão, por isto a batalha final merecia um cuidado maior em sua execução, pois é a partir dela que o personagem começa a transformar-se numa figura lendária.

Mediano em sua execução, o que acaba salvando o filme é novamente a interpretação vigorosa e correta de Toshirô Mifune, que consegue passar incólume apesar dos muitos tropeços do roteiro.

Nota: 3 de 5


Samurai III - Duelo na Ilha Ganryu (Miyamoto Musashi kanketsuhen: kettô Ganryûjima, Japão)

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Diretor: Hiroshi Inagaki
Roteiro: Hideji Hôjô, Hiroshi Inagaki e Takuhei Wakao
Elenco: Toshirô Mifune (Miyamoto Musashi / Takezo), Koji Tsuruta (Sasaki Kojiro), Kaoru Yashigusa (Otsu), Michiko Saga (Omitsu), Mariko Okada (Akemi), Takashi Shimura (Nagaoka Sado), Minoru Chiaki (Sasuke, o barqueiro), Takamura Sasaki (pai de Omitsu), Daisuke Katô (Gion Toji), Haruo Tanaka (Kumagoro, o ladrão de cavalos), Kichijirô Ueda (Monge Ogon), Kokuten Kôdô (Velho Monge Nikkan), Ikio Sawamura (estalajadeiro)
Ano de lançamento: 1956
Duração: 105 min.

Sinopse: Musashi decide abandonar sua vida como guerreiro errante, e passa a viver nos arredores de uma vila cultivando vegetais. Não demora até que Otsu e Akemi o encontrem, e passem a disputar seu amor. Paralelamente Musashi é desafiado por Sasaki Kojiro, com quem promete duelar dentro de um ano. Nesse meio tempo, enquanto se prepara para o duelo, o samurai é forçado a enfrentar um grupo de bandidos que ataca a vila que o acolheu, e conforme o dia de seu maior desafio se aproxima, vê-se obrigado a tomar uma resolução que concilie ou não seu amor por Otsu e sua paixão pelo caminho do guerreiro.

Crítica:

Indo contra as expectativas geradas pelo capítulo anterior, a última parte da trilogia sobre a jornada de Miyamoto Musashi consegue sair-se melhor que seu antecessor, embora tenha sua parcela de falhas, o que o impede de superar a primeira parte.

Este é o filme que tomou mais liberdades criativas com relação à história original. Jotaro ganha um pouco mais de destaque na trama, apesar de acabar assumindo o papel que era de outro discípulo de Musashi na obra de Yoshikawa. Ainda assim, o personagem jamais adquire o brilho e o carisma que possui no livro.

A disputa de Otsu e Akemi pelo amor de Musashi toma um rumo completamente oposto ao visto na obra original, sendo seu ápice a tentativa de Akemi assassinar Otsu, pouco antes da vila onde vivem ser ataca por bandidos, os quais contavam com o seu apoio para realizar o ataque. Além de excessivamente melodramática, a disputa entre as personagens torna-se tragicômica, a ponto de prejudicar o impacto que o diretor visava alcançar com a decisão de mudar o destino final de uma delas.

Por outro lado, Inagaki acerta a mão ao adaptar cenas memoráveis do livro, como o divertido confronto entre Musashi e Kumagoro (Haruo Tanaka) na hospedaria; e sua luta final com Sasaki Kojiro (Koji Tsuruta), que é tão bela como a descrita por Yoshikawa, graças ao cuidado com que toda a seqüência foi filmada à beira-mar conforme o sol se erguia no horizonte. Nesta única passagem o filme consegue captar a essência da obra original, algo que grande parte da trilogia foi incapaz de fazer.

Toshirô Mifune fez o que pôde para retratar a força de caráter, a humildade e a habilidade de uma das mais conhecidas figuras históricas do Japão, e saiu-se admiravelmente bem. Uma pena que os roteiros de toda a trilogia sofram de um desequilíbrio narrativo que o "Musashi" de Eiji Yoshikawa não possui. Fosse ela uma adaptação mais fiel à capacidade do escritor em dosar humor, romance, drama, ação e filosofia, certamente seria uma trilogia tão memorável e relevante para a produção cinematográfica japonesa, como O Senhor dos Anéis foi para a Nova Zelândia e os EUA. Infelizmente ela não chega aos pés do virtuosismo de Peter Jackson e da obra-prima de Eiji Yoshikawa.

Nota: 3,5 de 5

segunda-feira, 16 de maio de 2011

[REVIEW] The Sopranos - A Série Completa

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Ser um mafioso em Nova Jersey não é tarefa das mais fáceis, e Tony Soprano sabe muito bem disto. Pior, além de ser um criminoso, Tony sofre constantes ataques de pânico; convive com uma mãe que não lhe demonstra o menor afeto, e não hesita em desprezá-lo; e tem um tio que inveja o poder e o prestígio conquistados pelo sobrinho dentro da máfia local. Como se tudo isto não fosse ruim o bastante, o chefe de Tony enfrenta um câncer terminal, e ele é o principal candidato para assumir a liderança da organização criminosa.

Com tantos problemas, Tony se vê forçado a tomar uma atitude drástica antes que sofra um colapso nervoso: passa a fazer terapia com uma psiquiatra, sem o conhecimento da família e de seus parceiros de crime, o que acaba se tornando mais uma na lista de preocupações de nosso protagonista.

Esta é a premissa básica de The Sopranos (Família Soprano, no Brasil), uma das séries mais premiadas e aclamadas da história da TV americana, considerada por alguns como a melhor série dramática já produzida. E após assistir todas as suas 6 temporadas, fica difícil discordar dos que pensam assim.

Confiram abaixo minhas críticas sobre cada temporada. Obviamente elas contém SPOILERS, portanto é recomendável que já tenham assistido toda a série antes de lê-las.

1ª temporada

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A primeira temporada trata da ascenção de Tony à posição de chefe da família de mafiosos de Nova Jersey, suas dificuldades de relacionamento com sua mãe idosa, e sua disputa de poder com seu tio Corrado "Junior" Soprano. Em seus 13 episódios ela apresenta uma notável composição e desenvolvimento de personagens, partindo desde o elenco principal aos coadjuvantes.

John Gandolfini é um excelente ator, e mostra-se à vontade interpretando Tony Soprano, um personagem complexo, que de um lado é terno e carinhoso com sua esposa e seus filhos, e até mesmo com alguns de seus companheiros de máfia, especialmente seu sobrinho/primo Christopher; ao mesmo tempo que é capaz de agir com frieza, impulsividade e violência, quando é forçado a eliminar alguém que ameaça seus negócios e a segurança de sua família.

A Carmela Soprano de Edie Falco ganha autenticidade conforme a temporada se desenvolve, e a atriz começa a demonstrar um talento que se evidenciará cada vez mais conforme a série avança.

Nancy Marchand, como Livia Soprano, é dona de uma presença poderosa em tela, e concebe aquela que é a maior antagonista de Tony na temporada de estréia, escondendo em sua rabugice e dissimulação um desejo de vingança que é executada com requintes de crueldade ao longo dos 13 episódios iniciais.

Dominic Chianese dá o tom cômico e ameaçador necessário para tornar Corrado Soprano um dos personagens mais marcantes e divertidos de toda a série. Seus diálogos com Livia estão entre os melhores da temporada, cheios de sutilezas que escondem as reais intenções de ambos para com Tony. A dupla é responsável por algumas das maiores enrascadas que Tony enfrenta no decorrer da temporada.

Michael Imperioli começa interpretando Christopher Moltisanti como um sujeito cuja arrogância inicialmente torna-o um personagem antipático, mas que no decorrer da temporada consegue conquistar a simpatia do público graças ao talento do ator, e ao bom trabalho feito pelos roteiristas, que acertam o passo e o tema central de seu arco dramático.

Surpreende também o talento do elenco de apoio. Tony Sirico e Steve Van Zandt, em seus primeiros minutos de tela, são talentosos o bastante para tornar seus personagens inconfundíveis desde o início. A simpatia que Paulie e Silvio despertam no espectador, ainda sem contar com o apoio de um background, apenas comprovam a qualidade de suas interpretações. O mesmo valendo para Artie Bucco (John Ventimiglia), Adriana la Cerva (Drea de Matteo) e Pussy Bonpensiero (Vincent Pastore), que nas temporadas seguintes ganham maior destaque.

Demonstrando inteligência ao antecipar as comparações que fariam entre a série e a trilogia O Poderoso Chefão, David Chase e sua equipe de roteiristas espalharam por toda a primeira temporada citações e homenagens a ela, ao mesmo tempo em que jamais confere à história de Tony e os demais o mesmo glamour encontrado no clássico de Francis Ford Coppola. A série ainda abre espaço para referir-se a outros grandes clássicos do gênero, especialmente Os Bons Companheiros, do qual tomou emprestado vários atores (Lorraine Bracco, Michael Imperioli, Tony Sirico, Vincent Pastore, entre outros).

Além disto, os roteiristas também conseguiram se livrar com eficácia da impressão de que a série não seria nada mais do que uma abordagem mais séria da premissa usada no filme Máfia no Divã. As terapias de Tony com a Dra. Melfi (Lorraine Bracco) ganham um papel fundamental na história, e um maior embasamento, além de funcionar como um ótimo recurso para oferecer ao espectador acesso a elementos e fatos essenciais do passado do personagem, que conferem ao mesmo a tridimensionalidade e complexidade necessárias para nos envolvermos com sua história, e uma base sobre a qual futuros conflitos serão construídos, e novos insights sobre Tony que surgirão nas temporadas seguintes. Neste ponto Lorraine Bracco, apesar de uma interpretação mais contida que o restante do elenco, usa a abordagem ideal para conduzir sua personagem, que diverte em vários momentos em que dirige a Tony apenas um olhar analítico e quase inexpressivo, que contrasta com os relatos mais enérgicos e gesticulados do mafioso.

Oferecendo uma história que em nenhum momento perde o ritmo, trazendo várias reviravoltas, e explosões de violência que pegam o espectador de surpresa, além de um uso equilibrado do grande elenco de personagens, a 1ª temporada de The Sopranos mostra-se vigorosa do início ao fim, jamais tornando-se desinteressante. Seus personagens, apesar de moralmente reprováveis, em sua maioria são carismáticos e interessantes o bastante para nos importarmos com suas histórias. Em suma, trata-se de uma verdadeira aula sobre como fazer uma temporada de estréia excepcional para uma série, sem oscilar na qualidade dos roteiros e da direção. É raro encontrar uma série que consiga manter uma qualidade tão elevada ao longo de 13 episódios sem recorrer a tramas que prejudicam o desenvolvimento da história, e The Sopranos faz isto com louvor.

Nota: 5 de 5


2ª temporada

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Nesta o novo status de Tony é muito bem explorado com o mesmo brilhantismo que marcou a temporada de estréia, em episódios que se concentram tanto em suas estratégias para preservar o poder conquistado, como também na maneira com que tamanha pressão influi diretamente na saúde física e mental do protagonista.

A série mostra-se sem medo de ousar. Nesta temporada há dois excelentes episódios centrados em Christopher ("Big Girls Don't Cry" e "From Where to Eternity", o primeiro roteirizado por Michael Imperioli), que definitivamente firma-se aqui como um dos coadjuvantes mais interessantes da série; outro quase inteiramente dedicado a David Scatino (Robert Patrick, excelente!), que ganhou grande destaque logo em seu episódio de estréia; e ainda se deram ao luxo de desenvolver mais a história dos dois capangas de Christopher, Matt e Sean, em "Full Leather Jacket", um dos episódios-chave desta temporada. Isto sem mencionar "Funhouse", que fez uso de um formato inusitado, mudando o foco da história, gerando estranheza de início, apenas para finalizar uma das subtramas mais importantes da série até então.

Não podemos esquecer também da adição de Janice Soprano (Aida Torturro) e Richie Aprile (David Proval), que tornaram a vida de Tony ainda mais difícil, com maior destaque para o último, que foi seu grande rival nesta temporada. A atuação visceral de Proval fez toda a diferença, tornando o personagem totalmente imprevisível em sua impulsividade, e desta forma aumentando o suspense e a tensão em todas as suas aparições.

Livia e Tio Junior infelizmente não estiveram tão presentes nesta temporada como na anterior, mas continuaram divertidos e brilhantes em suas poucas aparições.

Também fez falta um papel mais atuante das terapias de Tony com a Dra. Melfi na trama principal. Em compensação, tivemos a chance de saber um pouco mais sobre como suas sessões com o mafioso afetam a vida pessoal e profissional da doutora. Suas terapias com o Dr. Elliot (Peter Bogdanovich, engraçado em seu cinismo sutil) renderam momentos impagáveis.

Uma excelente temporada, que por muito pouco não supera a primeira.


3ª temporada

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Uma temporada cheia de episódios memoráveis.

As atuações continuam naquele nível que certamente despertou inveja em muitos produtores de séries durante as temporadas anteriores. Infelizmente nesta não temos mais a presença de Nancy Marchand (a eterna Livia Soprano), já que a atriz faleceu entre uma temporada e outra. Em compensação, a série continuou com ótimos roteiros e novas adições poderosas ao elenco.

Joe Pantoliano como Ralph Cifaretto foi o grande antagonista de Tony, e roubou a cena diversas vezes, além de nos chocar num dos episódios mais "amargos" da série, mas nem por isto menos excepcional (sim, estou falando de "University").

O namoro de Meadow (Jamie-Lynn Sigler) com Jackie Jr. (Jason Cerbone) foi uma subtrama que cresceu muito ao longo da temporada, e tornou-se uma de suas grandes forças motrizes, chegando a uma conclusão que repercute na temporada seguinte.

"Employee of the Month", um dos episódios mais chocantes da série, mostrou o quanto a equipe de roteiristas e produtores continuam corajosos na escolha dos temas abordados (neste caso o estupro), e sua cena final é uma daquelas que ecoam por muito tempo na mente do espectador.

E, claro, tivemos "Pine Barrens", o primeiro dos quatro episódios que Steve Buscemi dirigiu para a série, apresentando uma história divertida, recheada de humor negro, e momentos memoráveis. A dinâmica entre Christopher e Paulie jamais foi tão bem explorada como neste episódio, que é considero por muitos um dos melhores de toda a série

Foi uma grande temporada, cheia de problemas para Tony, conflitos inesquecíveis, tramas e subtramas bem exploradas, sempre conduzindo muito bem a narrativa, e instigando o espectador a assistir o episódio seguinte, e o próximo, e o próximo...

Nota: 4,5 de 5



4ª temporada

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Só nesta temporada tivemos Adriana se metendo numa enrascada com o FBI; Chris perdendo o controle de seu vício em heroína; Carmela flertando com Furio (Federico Castelluccio), nos fazendo temer por ambos; e Ralph fazendo uma piada sobre a esposa de Johnny Sack (Vincent Curatola) que acaba tomando proporções imprevistas. Claro que houve mais, porém é melhor pararmos por aqui pra não estragar surpresas.

A 4ª temporada de Sopranos segue com o trabalho exemplar de desenvolvimento de personagens, embora relegue a meras participações especiais alguns que se tornaram queridos nas temporadas anteriores, como a Dra. Melfi e Junior Soprano. Em compensação foi bem vinda a "promoção" de Bobby Bacala, que deixou de ser mero alívio cômico para ganhar um arco dramático que fizesse jus ao talento de Steve Schirripa.

Quanto ao resto do elenco, James Gandolfini continua cumprindo com enorme competência a tarefa de nos apresentar novas camadas de Tony Soprano; Edie Falco segue brilhante, em especial nos episódios finais da temporada; e Joe Pantoliano deixa sua marca, e transforma seu Ralph num dos personagens mais antológicos da série, além de protagonizar uma das seqüências mais poderosas já vistas até aqui (em "Whoever Did This"). Pra ficar na lembrança mesmo.

Novamente fica nítido o impressionante cuidado que os roteiristas da série têm ao definir toda estrutura que sustentará a temporada inteira. Cada sutileza, cada pequeno fato que culminará em outro, o qual se ramificará em outros mais, e assim sucessivamente. O planejamento primoroso, as tramas bem amarradas, garantem uma qualidade praticamente impecável, e ainda soam como novidade, o que de fato são.

Nota: 4,5 de 5


5ª temporada

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Um dos destaques desta temporada foi a adição de Steve Buscemi ao elenco, interpretando Tony Blundetto, primo de Tony Soprano, recém-saído da prisão. Demonstrando sua competência habitual, sua participação na temporada é menor do que o esperado (pelo menos pra mim), porém as ações de seu personagem desencadeiam uma série de eventos que tumultuam a segunda metade da temporada, contribuindo tanto para o desenvolvimento da trama, como para torná-lo mais um dos muitos personagens memoráveis da série.

Além da tensão crescente gerada pela disputa entre Johnny Sack e Little Carmine (Ray Abruzzo) pela liderança da máfia de Nova York, esta também foi uma temporada explosiva do ponto de vista emocional. Tony, mais do que nas temporadas anteriores, foi obrigado a lidar com a solidão inerente ao seu papel líder, e as conseqüências de suas decisões sobre as vidas daqueles com quem se relaciona. Neste ponto o episódio "The Test Dream" é o que melhor ilustra o peso da culpa que sente pelas tragédias que causou. Cheio de simbolismos, ele foi um prato cheio para os que apreciam os famosos sonhos que sempre tiveram um papel importante dentro da série.

Em paralelo, vimos de que maneira separar-se de Tony repercutiu na vida de Carmela, em especial no episódio "Sentimental Education", onde ficou bem claro o quanto é difícil para a esposa de um mafioso dar um novo começo à sua vida amorosa, depois de mais de 20 anos de casamento, enquanto nos episódios seguintes foi explorada a dificuldade de consumar o divórcio tão desejado inicialmente. E, apesar de previsível, a conclusão de sua trama foi bem trabalhada, de forma a apontar naturalmente para a resolução que alcançou.

Finalmente, não podemos falar desta 5ª temporada sem mencionar todo arco dramático vivido por Adriana, de longe uma das personagens mais sofredoras da série. Drea de Matteo ganhou a merecida oportunidade de brilhar, ao interpretar tantas cenas carregadas de uma dramaticidade palpável, graças à engenhosidade dos roteiristas, que vieram construindo toda a situação na qual se encontrava desde o final da 3ª temporada. "Irregular Around the Margins", o primeiro episódio desta temporada focado em Adriana, é tão cheio de intensidade e suspense que funciona quase como um irmão gêmeo de "The Weight", da temporada anterior, em que o destino dos personagens se torna mais imprevisível do que nunca. Enquanto "Long Term Parking" é daquela categoria de episódios que ficam gravados na memória em seus mínimos detalhes, tamanho é o impacto de suas cenas.

Nota: 4,5 de 5


6ª temporada

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Esta foi a temporada dos coadjuvantes. O episódio de estréia adota uma opção inusitada, focando boa parte da história nas tentativas de Gene Pontecorvo (Robert Funaro) em convencer Tony a permitir que ele abandone sua carreira criminosa para mudar-se com a família para outra cidade, a fim de recomeçar sua vida. Provando mais uma vez a habilidade de retirar ótimas histórias de personagens que pouco destaque tiveram anteriormente na série, Terence Winter faz um excelente trabalho, criando um início de temporada que foge dos padrões estabelecidos (se é que The Sopranos seguiu algum padrão nas temporadas anteriores).

Vito Stapafore (Joseph F. Gannastafori) foi outro coadjuvante que ganhou muito destaque na temporada final. O personagem esteve presente na série desde a 2ª temporada, mas só chamou atenção na 5ª temporada, quando foi sugerido que ele era gay. Nesta sua inclinação sexual é abordada de maneira direta, e ganha muita importância no desenvolvimento da 1ª parte da 6ª temporada, especialmente em sua reta final.

Paulie também foi outro coadjuvante que ganhou mais atenção dos roteiristas, muito merecida, por sinal, pois Tony Sirico tornou-o um dos personagens mais carismáticos e divertidos de toda a série, com seus inconfundíveis “hehe”, sua fala assobiada, e seus maneirismos peculiares. Lidando com uma revelação impactante sobre sua origem, e um câncer de próstata, Tony Sirico ganha a chance de explorar mais a fundo o lado dramático de Paulie, que estabelece-se de vez como uma figura tragicômica no episódio "Remember When", em que seu apego ao passado rende alguns dos momentos mais tocantes do personagem em toda a série.

Christopher desta vez tem que conviver com a culpa por sua participação na morte de Adriana, e encontrar um meio de lidar com os sentimentos conflituosos que vinha nutrindo pelo tio desde que surgiu a suspeita de que Tony teve um caso com sua ex-namorada. Seu empreendimento na indústria do cinema, algo que vinha sendo preparado desde a primeira temporada, não poderia encontrar momento melhor para alcançar sua culminância, funcionando como um meio criativo de expôr toda raiva que escondia do tio. Além disto, seu problema com as drogas volta à tona, acentuando a natureza trágica do personagem, e preparando-o para o encerramento de seu arco dramático.

Mas é óbvio que o grande destaque da temporada foi a trajetória de Tony, que logo no primeiro episódio é baleado por seu tio, e fica entre a vida e a morte nos 3 episódios seguintes.

Os episódios 2, 3 e 4 compõem praticamente uma trilogia, cuja história gira em torno de Tony adquirindo uma nova visão de sua própria vida, algo que terá repercussões em toda a temporada. A forma escolhida pelos roteiristas para representar o estado de coma de Tony é brilhante. Antecipando um recurso narrativo que seria fartamente usado pelos roteiristas de Lost, também em sua última temporada, David Chase e Mattew Weiner inovaram, ao lançar Tony Soprano numa versão alternativa de sua própria vida, em um mundo paralelo lotado de simbolismos, encontrados tanto nas situações em que vive (a perda da identidade, e o fato de ser forçado a assumir um novo papel; a escolha de participar ou não da festa para qual foi convidado), como nos elementos visuais (o recorrente farol que ele enxerga distante no horizonte; o helicóptero que vez ou outra joga um facho de luz sobre ele, confundindo-se, por segundos, com a lanterna do médico que examina sua retina no hospital). Estes três episódios são de uma riqueza poética e filosófica poucas vezes alcançada em toda a série.

Após este primeiro arco dramático, é notável a atitude mais amena que Tony assume com relação a vários problemas que lhe surgem, que vão desde o enfermeiro que roubou dinheiro de sua carteira quando foi socorrê-lo após ser baleado, até a maneira como lida com a revelação de que Vito é gay. Mas, não demora muito pra este “novo” Tony entrar em conflito com as inclinações do “velho”. O antagonismo entre o velho e o novo se intensificam, e culminam em algumas das cenas mais chocantes e violentas protagonizadas pelo personagem, como aquela em que espanca quase até a morte um capanga da família rival "só" porque ele assediou Meadow; e a surpreendente morte de um dos personagens mais antigos da série, que encontra seu fim nas mãos de Tony.

O início da 2ª parte da temporada chama atenção pela forma como, em apenas três episódios, os roteiristas apontaram três personagens antigos e queridos do público como possíveis vítimas de Tony, algo que acaba se mostrando parcialmente verdadeiro para dois deles.

Já no núcleo familiar de Tony tivemos Carmela, que ganhou algumas ótimas cenas dramáticas no início da temporada, à altura do enorme talento de Eddie Falco. Porém, após o período em que Tony ficou entre a vida e a morte no hospital, houve pouco destaque para a personagem, diferente do que ocorreu nas temporadas anteriores.

Meadow também teve participações pequenas nesta temporada, agindo mais como uma conselheira para os pais, que tentavam encontrar a melhor forma de lidar com os problemas de A.J. (Robert Iler). Este, sim, teve um cuidado maior por parte dos roteiristas, que em pouco tempo ganhou uma namorada com filho, foi abandonado por ela, e entrou numa fase depressiva/reflexiva que explorou mais profundamente a psique do personagem. Embora vez ou outra seu arco dramático tenha soado como uma tentativa forçada de desenvolver A.J., que durante 5 temporadas pouco amadureceu, sendo quase sempre um rebelde sem causa mimadinho. A consciência que subitamente ganha de que não é o centro do universo, e do desperdício que vinha sendo sua vida até então, rendeu momentos interessantes e importantes para que o personagem atingisse alguma maturidade. Porém, mais tarde, ele volta praticamente à estaca zero, quando demonstra que ainda não estava pronto para ser um adulto responsável.

Outro tema muito bem trabalhado na 2ª parte da temporada foi o fim de uma geração de mafiosos, e o futuro incerto de seu legado. Phil Leotardo (Frank Vincent), após sofrer um ataque cardíaco, decide abandonar a liderança da família de Nova York, e seguir o conselho que Tony lhe dá no final da 1ª parte: aproveitar a vida ao lado da família enquanto pode. Porém, tudo parece conspirar para que a velha geração continue na ativa, quando seus sucessores são eliminados por um rival, obrigando-o a voltar à ativa.

Fato semelhante ocorre com Tony, que foi forçado a lidar com a deterioração da nova geração, algo que fica claro quando constata que Christopher não se encontra à altura de sucedê-lo após sua aposentadoria. Sua frustração é tanta que o leva a sacrificar o sobrinho/primo.

Um dos melhores episódios a lidar com a questão do envelhecimento da "velha guarda" é Remember When (6x15), em que Tony e Paulie tiram “férias forçadas”, e passam um tempo juntos, hospetados no hotel de Beansie (Paul Herman). Tony tem que conviver com o saudosismo de Paulie, que não pára de evocar episódios de seu passado como gângster, trocando lembranças com Beansie, outro velho criminoso, cuja velhice cobrou seu preço, tendo agora que depender da esposa até para cuidar de suas necessidades básicas. E é irônico que Paulie sobreviva até o final da série, reforçando um argumento que parece permear toda a segunda metade da temporada: "já não se fazem mais mafiosos como antigamente".

Dominic Chianese infelizmente ganha pouco tempo de tela nesta temporada, mas tem participações memoráveis. Sua última cena como Tio Junior é uma dos mais comoventes de toda a série, funcionando como um contraste perfeito para antológica seqüência final.

A reunião no restaurante, que marca o derradeiro final da série, é brilhante ao sintetizá-la. Nela vemos a preocupação de Tony com a segurança da família, seu desejo de tê-la sempre por perto, reunida, sob sua proteção, e de fazer com que os bons momentos valham por todos os ruins. Além disto, a ambigüidade do corte final é uma das decisões mais geniais de David Chase, que joga o espectador num abismo de incerteza semelhante ao do gato de Schrödinger, deixando aqueles personagens presos num estado de indefinição, entre a vida e a morte, criando uma rima perfeita com o início da temporada, e simultaneamente com o início da série.

Nota: 4,5 de 5


The Sopranos fez por merecer cada menção que hoje fazem da série em livros e discussões sobre a história da TV americana e mundial. Suas 6 temporadas, mesmo com pequenas imperfeições, e leves quedas de qualidades, jamais deixaram de apresentar um competente desenvolvimento de personagens, uma condução segura de tramas e subtramas, e um elenco extremamente talentoso. Sua equipe de atores, diretores e roteiristas levaram as séries de TV a um novo patamar. Se não foi com The Sopranos que tudo isto começou, foi nela que a TV americana atingiu seu auge.

Depois de assistir Sopranos ficamos mal acostumados, pois torna-se cada vez mais difícil tolerar qualquer produção mediana, seja ela feita pra TV ou pro cinema.