sábado, 15 de dezembro de 2007

[CONTO] Fuga

(texto originalmente escrito em 17/07/2007)

Scape... is possible de Ivanxd

Sua surdez é densa, de uma liquidez quase sólida. Está cego também, pela espessa escuridão que o aprisiona. Ele precisa escapar, retomar seu fôlego, sua vitalidade, sua liberdade. É necessário nadar, abrir, a braçadas, caminho em meio àquela densidade obscura que logo parecerá sem fim, sem esperança. Nade, dilacere a escuridão e nade, fuja de seu horrendo abraço e nade, rasgue suas entradas, use as últimas reservas de energia, esperança e fé, e nade, pelo amor que seu deus há de ter por ti, mas não desista, continue nadando, continue, falta pouco, sabemos que falta. Você já está se sentindo mais leve, mais próximo da saída, já está na zona cinzenta, na transição, na fronteira. Ali está ela, ali, bem ali! Nade, rasgue, dilacere, arreganhe as portas. Isto! Agora respire, tome um longo e revigorante fôlego. Recarregue suas reservas, renove sua vida, renasça se for preciso. Assim! Agora abra os olhos, lentamente para que toda essa luz, todos estes estímulos não lhe ceguem. Sinta o ar, o mesmo que infla-lhe os pulmões, acariciar seu corpo. Sinta-o secar toda essa lama aos poucos. Mas não se esqueça de ver! Sim, de ver que você ainda está muito perto de seu cárcere. Você tem que sair daí! Portanto, continue andando. Não dê atenção para a enorme extensão desse lago de lama, apenas concentre-se em bater os braços e pernas, e empurrar seu exausto corpo pra fora daí, para a margem. Não importa se ela ainda está tão distante! Não importa, entende? Você está exausto, não exaurido, nem morto. Muito bem, continue! Vamos, vamos! Quase lá. Só mais algumas braçadas. Sim, talvez mais algumas dezenas, mas que diferença faz? Você está vivo, respirando, vendo, sentindo seu coração bater intensamente, acompanhando o ritmo de suas braçadas, fornecendo ao seu corpo o que ele precisa pra continuar vencendo e cortando e rasgando esse denso e extenso lamaçal de terra imunda e dejetos, toda essa merda que minutos atrás te sufocava, roubando aos poucos seu existir.

Muito bem, falta pouco. Só alguns metros agora. Opa! Sentiu isto? É terra firme embaixo de seus pés! Você já pode ficar de pé, mais um pouco e já poderá dar um pouco de descanso aos seus braços! Mas ainda não. Ainda precisa deles pra continuar varrendo a lama para os lados, tirando-a do seu caminho, liberando sua passagem para a liberdade.

Isto, agora pode descansar os braços. Mas não se esqueça das pernas. Continue arrastando-as, cortando o lamaçal. Esqueça que elas pesam quatro vezes o seu peso normal com toda essa lama impregnada em suas calças, mais a do lago lamacento, que ainda desacelera seus movimentos. Esqueça isto! Imagine tudo como um enorme pote de gelatina. Isto mesmo, gelatina! Um lago de gelatina, bem mole, bem fácil de ser cortada. E você é uma colher de metal. Ou melhor, suas pernas são duas colheres, picotando a gelatina. Viu só? Não está ficando mais leve? Como faca na manteiga.

Aí está a margem! Aí estão seus pés! Empapados em lama, é claro, como todo o seu corpo, mas agora você pode vê-los! Isto, agache-se, toque seus pés com as mãos, sinta-os, venere-os por sua força! Sim, abrace suas pernas, ame-as por seu vigor! Agora abrace-se, ame-se, por Deus, afinal, sem você, não chegaria até aí! Isto, pode chorar, derrame quantas lágrimas precisar. Você é um vencedor, afinal! Um verdadeiro vencedor. E como todo o esforçado vencedor, você merece um descanso. Um looongo descanso. Isto, deite-se, estique seus braços e pernas o máximo que puder, como se fosse receber um abraço de congratulação do mundo, um longo e caloroso abraço da vida. Entregue-se a este abraço, ao seu cansaço, a esta paz e satisfação que agora sente! Agora durma, e não tenha pressa em acordar. Amanhã um novo dia o espera. Há de fazer um belo dia! Um belíssimo dia! Um dia bom para viver, como todos os outros...

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