domingo, 23 de dezembro de 2007

[CONTO] Colossais Testemunhos

(texto originalmente escrito em 24/07/2007)

Giant de Maikarant

"Eu acordei com os estrondos. Olhei pros lados, assustado, sem saber direito onde estava... Sabe, aquela sensação que sempre nos dá quando alguém acorda a gente no meio de um sonho bom? Então... Onde eu estava mesmo? Ah sim, eu ouvi os estrondos, e eles pareciam ficar cada vez mais próximos..."


"Óia mininu, vô ti dizê uma coisa, fazia tempu qui eu num pegava tantu que nem naqueli dia! Era cada um DÊSSI tamanhu! Si num fôssi aquela confusão toda, ieu saía di lá cum u armoçu i a janta da semana interinha garantida. Mais daí cumeçô as xacuaiada na terra, i us pêxe si assustaro tudo! Daí num tevi jeitu, tivi qui ficá satisfeitu cum u qui eu já tinha pêgu..."


"Sim sinhô, eu tava andanu muntadu nu meu cavalu Faísca, quandu ouvi o primêru barulhu. Olha, na hora eu pensei qui fosse um raiu avisanu qui tava cheganu chuva, mais daí eu oiei pru céu i tava tudu crarinhu, quasi sem nuvém... Quandu veiu u segundu barulhu, u Faísca ficô todu agitadu, daí eu fiquei mais preocupadu..."


"Eu tava bincanu cu a Maiazinha di iscondi-iscondi na foesta. Eu tava iscundida atáis da avoí quandu veiu u bauião... Aí eu comecei a xoá, i a Maiazinha veiu coênu e mi pegô nu colu e coeu pá cavelna..."


"Rapaz, eu corri demais naquele dia! Com muita sorte só tropecei umas duas vezes, mas consegui me levantar a tempo de fugir daquilo. Mas teve uma hora que eu me gelei todo! Olha só, fico arrepiado só de me lembrar!"


"É, a água da lagoa saculejava todinha! Nunca na minha vida qui Deus á di tirá eu vi um trem qui nem aquêli! Nessa hora us barulhão tava pertinhu. Até as árvre tremia!"


"Ah, eu nem tive tempo de raciocinar direito! Levantei correndo da cama, quase caindo, porque os meus pés se enroscaram no lençol, e fui direto pra janela da sala de estar pra descobrir o que estava acontecendo..."


"Foi a hora que a sombra daquela coisa me cobriu! Durou pouca coisa, só uns segundos, mas, rapaz, aquilo só não me fez cair duro ali naquele monte de folhas secas porque minha adrenalina tava a mil! Só sei que eu nem olhei pra trás. A única coisa que eu pensava era: Corre, não pára de correr, só corre!"


"Daí uma delas caiu! I dispois ôtra, i ôtra! Nu cumeçu só deu pra vê as árvre caínu, pusquê a lagoa ficava meio longe, sabe, mais eu ispixei mais os óio, i deu pra vê a coisa direitinhu impurrano uma delas."


"Quandu eu ouvi us barulhu, que fazia até u chãu tremê, eu fiquei disisperada! Eu tinha acabadu de terminá a contagem, e não sabia onde a Tianinha tava iscundida! Sorte nossa qui ela cumeçô a chorá, sinão eu num tinha incontradu dela nu meio daqueli monte de árvure. Foi eu pegá ela e já saí correnô pra dentro da caverna."


"Sim, eu cheguei a passar pela casa, mas como parecia não ter ninguém, eu segui em frente, e fôsse o que Deus quisesse..."


"Eu vi o homem passar correndo ne frente da casa! Ele parecia amedrontado. Mal deu tempo de imaginar do que ele fugia tão desesperadamente, quando ouvi o último estrondo, e senti o último tremor de terra, muito forte, muito próximo dali..."


"Foi intãu qui u Faísca impinou, perdeu u iquilíbriu cum a tremura du chãu, e caiu. Daí, já viu, né, me isburraxei nu chãu. Foi nessa ora qui eu ouvi uns passo ligêro ficano mais perto, e di repenti passô um sujeito correno na minha frente..."


"Qué dizê, eu só vi as perna do bichu, qui nem parecia muitu cum bichu, afinal, tava usano até carça e sapatu..."


"Tava eu lá, isparramadu nu chãu de foia sêca feitu uma perereca tomanu sol, quandu, lógu dispois du sujeitu passá, fez aquele "TUUUUUMM", tremeu tudo, e apareceu aquele baita pézão na minha frente..!"


"Tinha o tamanho dum caminhão! A Tianinha tava tão assustada qui nem viu na óra qui êli passou na frente da caverna..."


"É, daí o pé sumiu, tão di repenti comu apariceu, i eu reparei na caverna logu adianti..."


"Aham, o moçu tava caído du ôtru ladu. Eu fiquei preocupada! Pensei qui êli tava machucadu. Mais daí ele começô a levantá..."


"Minhas perna trimia feitu vara verde, mais as minina trimia mais lá dentru. Tamém, quem é qui num ia ficá daqueli jeitu venu um negócio daqueli?"


"Sim, eu reparei quando ele parou. Quer dizer, na hora eu nem sabia que era um 'ele', afinal, nem olhei pra trás enquanto corria. Foi quando eu vi ele se abaixando que comecei a ficar novamente preocupado..."


"Primeiro eu ouvi um barulho que parecia uma lona bem grossa se dobrando e roçando em alguma coisa. Logo depois veio a batida abrupta, que arrebentou a parede da sala de estar. Nem perdi tempo pra olhar o que era, já saí correndo pros fundos de casa..."


"Óia, pensânu bem... É, eu ouvi o sujeitu correnu na froresta sim. Mais na hora nem oiei pra tráis. Tava quasi terminanu di pegá a tilápia caprixada qui tinha ficadu presa no anzór, daí já viu, né? (...) Sim, isso foi poquinhu antis das pernôna aparicê dirrubanu as árvre. Ah, mais ieu num disisti não! Cum pernôna ou sem pernôna, ieu tinha qui pegá aquela última tilápia di quarqué jeitu! Quem mandô num dá um jeitu de fugi cum as companhera dela quandu tevi a chanci?"


"U môçu tirô nóis duas da caverna, e pôis a genti in cima du cavalu deli..."


"Pois é, pra nossa sorte, u Faísca tava bem. Foi só um sustu mesmo..."


"Foi diveltido andá nu cavain-u!"


"Quando eu tava guardanu a tilapia na cesta eu vi o Zé passanu a cavalu carreganu as minina. Tava ínu prus lado di ondi veio o gigante..."


"Mas dos fundos vieram mais estrondos das paredes se quebrando, então eu fiquei sem saber o que fazer! Acabei voltando pra sala mesmo, e lá encontrei um negócio grande e redondo atravessado no buraco aberto da parede. De repente a casa inteira começou a tremer, as paredes foram rachando de fora-a-fora, até que começaram a subir! Foi tudo junto, teto, paredes, como se a casa inteira fosse uma caixa de sapatos..!"


"Ele tava arrancando a parte de cima da casa inteirinha! A cena foi impressionante. Não conseguia mover um dedo naquela hora."


"Eu nem conseguia imaginar o que estava acontecendo! De repente começou a chover tijolos, pedaços de reboco e cimento. O cano que saía da caixa d'água estourou enquanto o teto era arrancado e encharcou tudo. Misturou poeira com água, com medo, com suor frio..."


"Até essa hora eu nem sabia que tinha um cara lá dentro. E mesmo se eu soubesse, acho que nem seria capaz de fazer alguma coisa pelo infeliz..."


"Em seguida o sol bateu forte no meu rosto, eu fiquei cego por alguns instantes, e logo depois eu me deparei com..."


"Ele tava agachado, ainda segurando o teto da casa. Eu não sabia se saía correndo dali logo, ou se esperava pra ver o que ele olhava com tanta..."


"Tinha uma certa curiosidade nos olhos dele... Sabe, apesar do tamanho, e do estrago que fez na casa, ele não parecia perigoso..."


"Foi nessa hora que eu notei que ele se vestia muito bem pra altura dele. A calça e a camisa de mangas longas eram feitas de vários retalhos de couro de gado. Pelo tamanho das botas, deviam ser um punhado de peles de urso muito bem costuradas com umas cordas grossas. O colete, muito bonito por sinal, também parecia ser de pele. Fico só imaginando quantos animais ele precisou matar pra fazer aquilo tudo..."


"Sim, o estilo das roupas era de um típico caçador acostumado a viver nas montanhas próximas daqui da floresta. Claro que, na hora, assustado do jeito que eu estava lá dentro, nem cheguei a pensar nisto. Meu instinto só gritava pra eu dar um jeito de sair correndo dali, mas, paradoxalmente, minha intuição só pedia pra eu me acalmar e não fazer nenhum movimento brusco a fim de não assustá-lo e, assim, não correr o risco d'ele derrubar o telhado com as paredes bem em cima de mim. Sim, porque ele ainda mantinha o topo da casa erguido na mão direita, e se eu de repente fizesse algo que o assustasse, vai saber se ele não iria largar tudo ali mesmo, despencando metade da casa sobre a minha cabeça."


"Por uns instantes eu pensei que, talvez, se eu não tivesse perdido minha espingarda no meio da correria, eu teria atirado nele. Sabe, coisa de caçador. Quando vê uma presa maior distraída já embesta de começar a imaginar a fama que ganharia caso conseguisse derrubá-la. Mas daí eu lembrei que foi justamente ela que começou aquilo tudo..."


"Sei lá de onde que eu tirei coragem pra fazer aquilo! Na verdade nem sei se era bem coragem, estava mais pra um medo controlado, ou mesmo um desejo de assumir algum controle sobre a situação, mesmo que pouco. Mas, o que importa no final das contas é que eu fiz. Ergui minha mão trêmula, e disse: 'Olá!'"


"Maldita hora que eu persegui aquele cervo floresta adentro! Não fosse o tiro a esmo, e teria poupado o rapaz do prejuízo que levou... Foi justamente na hora que eu tava recapitulando a caçada fracassada que ouvi uma vozinha de dentro da casa destruída..."


"Ele não respondeu nada, só sorriu pra mim..."


"... largou o teto da casa bem do lado de sua base..."


"... e foi embora na mesma direção de onde veio."


"Não sei o que ele viu em mim, mas acho que me achou simpático. Não consigo encontrar outra explicação para o que ele fez..."


"Demorou um tempinho até eu retomar meu fôlego e correr até ela pra ver se quem quer que estivesse lá dentro estava bem."


"Um minuto depois o homem que eu vi correndo minutos antes do gigante destruir minha casa entrou pelo que restou da porta da sala de estar, perguntou se estava tudo bem. Disse que..."


"'... você tem uma baita duma sorte, amigo! A propósito, prazer, meu nome é Jonas.' Claro que eu omiti toda a parte que me apontava como causador daquilo tudo..."


"Quandu eu tava vortânu pela istrada di terra, cum a cesta carregada di tilápia e pacú, us barulhão vortáru. Eu oiei pra tráis, i vi di novu as pernona dãnu aquelas passada cumpriiida pela froresta, ínu na direção pra ondi u Zé correu cum as minina. Dispois dissu nunca mais vi u pernudo."


"Eu fiquei preocupadu, né? Afinar, eu pensei qui correnu cum u Faísca i as minina nu caminhu contráriu, ieu ia iscapá du giganti mais rápidu. Mais daí us instrondu vortaru..."


"A Tianinha cumeçô a chorá di novu, é claru! A coitadinha já tava pensanu qui tinha dexadu u monstru pra tráis..."


"Eu oei pá táis i vi o pézão pisanu nu chão..."


"Foi muitu rápidu! Foi a conta du giganti dá a primêra pisada atráis di nóis cum u pé isquerdo, i lá pra adiante já tava ele pisanu cum u direito..."


"Depois as pisada fôro ficanu mais longe..."


"... i u ômi gandãu sumiu."


"Daí eu puxei as rédea du Faísca, dei meia vorta, e fômu imbora direto pra casa onde as minina morava. Nunca mais vi o giganti."


"Não, eu num vi ele di novu não! Nossa mãe proibiu a genti di brincá na floresta di novu."


"Quê?! Qui nada, mininu! Ieu lá ia dexá di pesca meus pêxe pur causa dum pernudu que resorveu passeá pela froresta?"


"Decidi construir outra casa na montanha."


"Eu até voltaria pra pegar minha espingarda como lembrança daquele dia, mas preferi não correr o risco de armar outra confusão como aquela de novo. Me contentei em guardar comigo a lembrança do maior caçador que eu já vi em toda a minha vida."


"Sem as minha tilapia com batata ieu num vivo nem mortu!"

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