domingo, 28 de dezembro de 2008

[CONTO] O Homem Absorvente - 3ª parte

(texto originalmente finalizado em 24/12/2007)

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Pra evitarem um novo incidente, decidiram permanecer em silêncio a viagem inteira. "Bom, minha 1ª parada é aqui." Estavam num posto de gasolina na entrada de uma cidade pequena. "Vai fazer o quê?" "Pegar uma grana que um amigo meu tá me devendo. Quer descer?" "Vou no banheiro. Você vem, Guto?" "Não." "Nem pra me fazer companhia? Preciso de alguém pra me defender se um tarado quiser abusar de mim." "Tá, eu vou." "He..! Vocês dois vão longe!" "Não enche, Antenor! Vai cuidar da sua vida que a gente cuida da nossa!" "Calma, mocinha! Não precisa ficar irritada." "Eu detesto quando pedem pra eu ficar calma quando já estou!" "Não é o que parece." "Que se foda o que te parece!" "Tá legal, tá legal... Fiquem a vontade. Eu parto daqui a meia hora."

Gutinho acompanhou Cris até o banheiro. "Tá trazendo a mochila junto por quê?" "Precaução." "Sei... Fica de olho se chega alguém!" "Tá." Ela fechou bruscamente a porta na cara dele. "Meu Deus! Que banheiro imundo!" Sua voz era abafada pela porta de metal. "Que foi?" "Esse banheiro tá imundo! O cheiro é horrível! Eu não vou me sentar aqui!" "Pega um tanto de papel e cobre o assento." "Não tem papel!" "Acho que eu tenho aqui na mochila." "Não precisa!" Abriu a porta, tomando um fôlego. "Nossa, que alívio! Ali eu não faço xixi!" "Vai fazer onde, então?" Cris olhou pros lados, abrangendo 180 graus da visão que tinha de onde estava. "Ali! Naquele monte de mato!" "No mato?" "Sim! Ali pelo menos não deve tá fedendo nem imundo." "Tem certeza?" "Não tenho opção! Vem comigo!" E pegou na mão de Gutinho. "Pronto! Fica aqui vendo se não chega ninguém perto. Se alguém se aproximar não deixa me ver, tá? Nem que for pra segurar o sujeito! E não ouse olhar pra trás!" "Tudo bem." "Tá. Dá aqui o papel!" Dois minutos depois Gutinho levou um susto. Alguém chegou por trás dele, pôs uma mão em seu ombro esquerdo, e o virou na sua direção. Era Cris. Encarou-o, olhou pra baixo, voltou a olhá-lo nos olhos, e o beijou na boca. "Obrigada..."

Dez minutos depois Antenor voltou. Carregava dois sanduíches de frango com tomate, alface, umas batatas fritas bem finas, e duas latas de refrigerante. "Pra vocês! Devem estar com fome." "Obrigado." "Não precisava." "O anfitrião sou eu, mocinha." "Você não nos convidou, fomos nós que pedimos carona." "Ah, não discute, tá? Eu tô feliz pela grana que recebi e quero comemorar com alguém. Fazia um tempão que o Antônio tava me devendo. Sempre me enrolava na hora da cobrança. Daí ontem, sem aviso, ele me liga, diz que tá com a grana, e que era pra eu passar aqui pra acertarmos. Disse que tava pagando todas as suas dívidas. Eu pergunto se ele tinha ganhado na loteria. Disse que tá com câncer..." "Nossa..." "Pois é. 2 meses de vida. 3 se tiver sorte." "E você acha normal isto?" "O quê?" "Ficar alegre depois de receber uma notícia dessas?" "Eu tô vivo, não tô? E até onde eu sei não tô com nenhuma doença. E o meu amigo disse que era pra aproveitar a grana por ele. Viver parte daquilo que ele vai deixar de viver. (...) Sabe como ele conseguiu a grana pra pagar todos os amigos e conhecidos a quem devia?" "Ganhou mesmo na loteria?" "Hehehe! Não. Ele vendeu o caminhão, a casa, e um pedacinho de terra que tinha comprado em algum fim de mundo por aí. Ele devia pra muita gente. Disse pra mim o mesmo que tá dizendo pra todo mundo que paga: 'Aproveita a grana que eu tô te dando com o que te resta de vida. A minha já tá nas últimas. Só falta mais uns centavos pra gastar. (...) Eu gosto muito dele, sabe? Apesar da fama de mal-pagador, ele é boa gente. Por isto achei que na verdade eu é que tô devendo pra ele. Passamos por bons momentos juntos. Isto ninguém pode comprar... (...) Ao contrário de dois sanduíches de beira de estrada pra dois esfomeados! Hehehe!" Cris sorriu pela primeira vez de algo dito por Antenor. "Isto também é outra coisa que não se compra." "O quê?" "Seu sorriso, mocinha. Devia sorrir um pouco mais! Fica mais bonita!" Ela corou-se. "Isto é algum tipo de cantada?" "Não sou dessas coisas, menina! (...) E você? Por que não tá comendo, garoto?" "Não tô com fome. E nenhuma comida me faz bem." "Você só come problema, é?" "Não, eu passei minha vida inteira comendo comida. Comia muito, mas sempre passava mal. Nada parava no meu estomago. Minha mãe dizia que eu parecia um franguinho depenado muito magro quando nasci. 'Era só pele e osso', ela dizia." "E como você sobreviveu até aqui?" "Não sei. Só comecei a engordar ontem." "E vai passar a vida inteira assim, garoto? Se alimentando dos problemas dos outros?" "Acho que não tenho opção." "Tá, mas até que ponto isto vai?" "Não entendi." "Você vai ficar engordando com problemas até estourar?" "Ele não vai estourar!" "E como ele se livra disto quando não puder engordar mais?" "Do mesmo jeito que todo mundo se livra de seus problemas: desabafando!" "(...) Sua namoradinha é bem esperta, rapaz." "Eu não sou a namoradinha dele! Nos conhecemos hoje!" "E qual é o problema nisto? Eu beijei minha esposa no primeiro dia em que nos conhecemos." "Ela também me beijou." "Hehehe!" "Você não tinha nada que contar pra ele!" "Por quê?" "Porque não!" "Não entendi." "Você entendeu muito bem! Não se faça de sonso!" "Mas eu gostei do beijo." "E alguém te perguntou isto?!" "É que você tá falando como se fosse algo ruim." "É ruim!" "Por quê?" "Porque é, tá?!" E saiu correndo pra parte de trás da carroceria do caminhão. Guto fez que ia atrás dela. "Deixa, garoto! Ela só tá fazendo charminho. No fundo ela gostou do que você disse." "Como sabe?" "Anos de experiência. (...) Não vai mesmo comer o sanduíche?" "Não." "Então dá aqui que eu guardo pra mais tarde. Ainda temos um bocado de chão pela frente." "Seu Antenor, o que ela quis dizer com 'desabafando'?" "Desabafar é quando a gente conta nossos problemas pra outra pessoa disposta a nos ouvir. Quando a gente faz isto se sente mais leve." "Então deve ser isto mesmo que eu tenho que fazer pra não estourar, né?" "Deve ser, garoto. Só testando mesmo pra ter certeza." "A Cris é inteligente." "Sim, ela é. E gosta de você." "É?" "Sim, eu detecto essas coisas no ar. Ela se importa com você, rapaz." "Eu também gosto dela." "Que bom! Isto sempre ajuda." "Ajuda?" "Aham! 'O amor só prevalece quando dois corações batem em ressonância.'" "Ressonância?" "Só uma frase que li num livro uma vez. Mais cedo ou mais tarde você vai entender, Guto. Agora vai lá chamar a menina. Já estamos de partida." "Tá."



(continua...)

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Aélsio | Email | 30-12-2008 18:51:10

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