quarta-feira, 24 de junho de 2009

[CONTO] As Árvores da Memória - Capítulo 2

"End of the line" de Ric Stultz

Começou a imaginar como conseguiria chegar à outra entrada. Tentou calcular a distância que precisaria tomar para correr, dar impulso ao seu corpo, e pular até o outro extremo do poço. Se o pulo fosse muito alto, seria agarrada pelas mãos queimadas, e arrastada pra dentro do teto de lava, onde lhes faria companhia até que outra infeliz passasse por ali, buscando realizar a mesma loucura. Caso a força aplicada fosse baixa demais, acabaria virando a próxima e aguardada refeição das piranhas famintas lá de baixo. E no meio de tantas preocupações, cálculos e hesitações, uma lembrança acendeu-se em sua mente: a bifurcação do corredor!

Sim, ela poderia simplesmente voltar até a parte em que o corredor dividia-se, e escolher a outra vertente, a da esquerda. De repente ele saía em outro lugar totalmente diferente e, o mais importante, transponível. Sim, talvez saísse. E isto era justamente o que ela iria fazer, não fosse aquilo que ocorreu assim que deu meia volta, preparando-se para retornar até lá atrás.

O corredor fechou-se diante de seus olhos, assumindo a forma de uma parede semi-esférica, exatamente como aquela em que despertara, deixando pra trás apenas um "talvez", uma curiosidade a respeito do caminho que recusara, e uma certeza de que o momento de escolha foi literalmente engolido pelo passado.

Agora tinha espaço para dar no máximo cinco passos médios até chegar à beira do poço, depois do qual havia a entrada do outro lado, sem destino certo, e antes dela as possibilidades de morrer queimada ou devorada. Seria, literalmente, um salto de fé, que exigiria o máximo de precisão, auto-controle e muita sorte.

Não queria tornar-se prisioneira da própria indecisão, num corredor que terminava num beco sem saída, e começava na boca bifurcada da morte. Teria apenas uma chance. Sua cabeça ainda era um febril desfile cálculos inconclusos de probabilidade quando optou por mandar todos eles para os diabos, sair correndo do final do corredor e, terminando a breve corrida com o pé direito metade pra dentro e metade pra fora do poço, flexionou a perna sustentada por ele, e saltou sobre o abismo da morte carnívora, passando longe de suas bocas de dentes afiados, e roçando os cabelos de fogo nos dedos de peles derretidas pendentes daquele teto impossível, esfomeados de dor e sofrimento eternos.

O salto só não foi perfeito porque caiu do outro lado de barriga no chão, batendo forte os seios protegidos apenas pelo fino tecido do vestido. Doeu muito na hora, mas a dor foi superada pelo alívio que invadiu-lhe o ser, gritando mais alto que qualquer sensação.

Deitou-se de costas e assim ficou por alguns minutos, massageando os seios para aliviar a dor, retomando o fôlego e deixando o coração normalizar suas batidas.

Dor aliviada, fôlego retomado e coração normalizado, pôs-se de pé novamente, encarou por breves segundos o corredor à sua frente, constatando que era igual ao outro, e seguiu adiante. Mal começou a desbravá-lo quando já pôde ver seu final anunciando-se. Aparentemente dava também para um espaço mais amplo, e só esta possibilidade foi o bastante para que ela começasse a desejar fervorosamente que não fosse obrigada a realizar um outro salto insano como aquele. Mas, conforme os passos aproximavam-na do final, logo reparou que o desafio, se é que havia um, seria outro agora: avistou degraus vermelhos, finos como tábuas, que literalmente flutuavam no ar.

CONTINUA...

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