sexta-feira, 26 de junho de 2009

[CRÔNICA] Michael Jackson - A Queda de (mais) Um Ídolo

Photobucket

Fiquei hoje o dia inteiro pensando na forma de apresentar os fatos aqui descritos, que inicialmente se mostravam desconexos, para mais tarde se revelarem mais afins do que eu imaginava. Vou resumir o tema desta crônica com uma simples pergunta: o que a morte de Michael Jackson, a tragédia do vôo 447, e o drama de um jovem viciado em drogas têm em comum? É o que vou tentar responder aqui.

Ontem, pouco antes de voltar da biblioteca onde trabalho, soube que o irmão de um conhecido meu foi internado numa clínica de desintoxicação e reabilitação de dependentes químicos. Aquilo mexeu comigo em algum nível mais profundo, mas só me dei conta do quanto fui atingido pela notícia mais tarde, quando, já chegando em casa, fui recebido por outra: Michael Jackson fora levado às pressas para um hospital após sofrer uma parada cardíaca. Minutos depois já corriam rumores de que na verdade ele já havia morrido. Passado pouco menos de uma hora veio a confirmação.

Tenho recordações nostálgicas ligadas ao cantor, pois quando criança meu irmão do meio era um dos muitos fãs que ele tinha, a ponto de viver imitando alguns dos passos mais conhecidos do sujeito na nossa infância. Mas não estou aqui pra falar disto, e nem da carreira do artista, portanto, deixa eu voltar pra questão principal.

Um fato que vale a pena acrescentar é a minha relação com o mundo dos noticiários e jornais, sejam eles impressos ou televisivos. Já faz alguns anos que não faço o menor esforço pra sentar na frente de uma TV a fim me inteirar dos últimos acontecimentos do mundo. Adotei a filosofia de que, se for realmente importante e pertinente pra minha vida saber do que anda ocorrendo neste planeta que divido com mais de seis bilhões de indivíduos, a notícia fatalmente chegará até mim de alguma forma. E tem funcionado muito bem até aqui.

Nos últimos anos, sem parar mais que um minuto diante da televisão, fiquei sabendo da garota que foi empurrada de um prédio pelo pai e a madrasta; da garotinha, filha de pais portugueses, se bem me lembro, com uma mancha na íris de um dos olhos (não me recordo qual), que sumiu sem deixar vestígio num hotel (não me lembro de qual país); passei por várias crises do tráfego aéreo brasileiro, por um mensalão; e mais recentemente pela alardeada tragédia do vôo 447. São todos fatos dos quais me recordo vagamente, e cujas características que mais se fixaram na minha memória já estão muito bem estampadas na forma como os descrevi.

Pra fecharmos de vez esse assunto, basta dizer que minha relação com o resto do mundo é mais por uma espécie de "osmose informacional", do que por algum interesse meu pra saber dos acontecimentos que fluem em torno de mim.

Mas, foquemo-nos no vôo 447, que há duas semanas atrás era a notícia quente do momento. Sabe, me ocorreu agora que as tragédias humanas são para as redes de notícias do mundo inteiro o que o gado é para as indústrias de laticínios, carne, couro e doces, simultaneamente. E pra entender o que eu quero dizer com isto basta se lembrar do tratamento que os vários jornais do país deram à tragédia em questão.

A exemplo das últimas tragédias aéreas ocorridas no Brasil, os jornalistas, a cada dia, iam cada vez mais fundo no quadro que se desenhou com a queda do vôo. Começaram falando do fato em si, depois dos resgates, depois dos destroços, da caixa preta desaparecida, do estado de decomposição dos corpos resgatados, e numa das últimas notícias que me chegaram nos ouvidos enquanto eu trocada de roupa no quarto, tinha uma jornalista dando praticamente uma aula de engenharia aérea, explicando em detalhes o funcionamento de um dos componentes da aeronave.

Resumindo: se vestiram do couro, comeram a carne, fizeram uma gelatina de sobremesa, e beberam um bocado de leite pra ajudar tudo isto a descer.

Mas, estou novamente divagando... Bem, voltemos ao Michael! Um rapaz que, no fundo, tinha um sonho singelo: ser a criança que nunca foi, e mais profundamente ser algo que não nasceu pra ser.

Tá, deixa eu facilitar o que eu disse logo acima. Que ele queria ser branco todo mundo já tá cansado de saber. Que ele tinha uma fixação muito estranha por crianças também não é novidade. Mas o que ninguém sabe (suponho) é porque, ao receber a notícia de que ele estava à beira da morte, o primeiro pensamento que me ocorreu, ou pelo menos um dos primeiros, foi que talvez todo aquele estardalhaço em torno de sua saúde não passasse de uma estratégia de marketing para que ele voltasse a ser notícia. E algo com o qual vocês não hão de discordar é que, por mais decadente que vinha sendo sua carreira nos últimos anos, Michael sempre parecia dar um jeitinho de ser notícia. Sua imagem segurando o filho da sacada se tornou tão icônica quanto seu rosto deformado, e seus passos estilosos de dança, só pra ficarmos num exemplo.

Aliás, falando do grau de deformidade do cara, me lembro agora de uma época em que eu e meu irmão vivíamos chamando o Michael de "Boneco", porque foi esta a aparência que ele parecia se esforçar pra ter nos últimos anos. Há por aí bonecos de cera mais realistas que ele! Algo realmente preocupante (ou não, afinal, vai saber se não era justamente isto que ele queria).

Então, estava eu pensando na possível estratégia de Michael para se ver novamente sob os holofotes da mídia quando me veio à cabeça o caso do irmão do meu conhecido. Mas antes de mais nada acredito que caiba aqui uma breve descrição sobre esse conhecido: em poucas palavras, ele é o tipo de pessoa que gosta de aparecer, alguém que "chega chegando", e querendo que o máximo de pessoas presentes no ambiente tomem ciência do acontecimento que foi sua chegada até ali. Resumindo mais ainda: uma pessoa extremamente extrovertida, egocêntrica e vaidosa.

Já o seu irmão sempre me pareceu alguém ofuscado justamente por este contraste gritante de personalidades. Uma pessoa que não se sobressaia. Alguém "comum". Que entrava e dizia "oi", saía e dizia "tchau", e entre um e outro não passava de uma presença vagante sem contribuir com um fato memorável que fosse pra marcar aquele minuto em minha memória como um em que algo realmente aconteceu.

Daí, do nada, eu recebo a notícia de que o cara foi internado às pressas numa clínica de desintoxicação, sendo que até ontem eu nem sequer sabia que ele tinha problemas com drogas.

E desta lembrança que me ocorreu pensando na notícia da morte do Michael, ressurgiu a do vôo 447, que acabou sendo passada pra trás pela primeira como destaque nos jornais. São todas tragédias alheias. E esta é a resposta da pergunta que fiz lá no início.

Michael morreu possivelmente como conseqüência de um uso constante de drogas para preservar sua condição de "negro que queria permanecer branco", que por sua vez foram aos poucos deteriorando seu organismo até chegar ao ponto em que chegou ontem.

O irmão do meu conhecido resolveu aceitar a sugestão da mãe de se internar na clínica porque seu vício já havia chegado no limite do suportável.

E o vôo 447... Bom, este foi uma tragédia mesmo, pelos jornais para suprirem a falta de notícias realmente impactantes.

E aqui vai outra caracteristica que Michael, o irmão do meu conhecido, e os jornalistas responsáveis pelas notícias do vôo 447 têm em comum: a vontade de serem o foco das atenções, e a noção, mesmo que inconsciente, de que a tragédia humana dá mais audiência do que as alegrias.

Já pararam pra pensar no por quê de as pessoas responsáveis por impor censuras em filmes caem mais em cima daqueles com cenas de sexo explícito do que de violência gráfica? Minha opinião: porque a desgraça alheia faz bem à saúde doentia do ser humano, que se deleita, em algum nível de sua consciência, ao se enxergar menos sofredor do que aquele que sofre e é consumido por mais uma das inúmeras tragédias que este mundo pode reservar a cada um de nós. É como ganhar na loteria todos os dias, porque no fundo nos sentimos vitoriosos pelo fato de não ser conosco que está acontecendo aquilo.

Portanto, a tragédia atrai bem mais a atenção de quem a cerca. O prazer e a alegria alheios também, mas estes fortalecem uma doença que todos temos, aquela que faz com que nos sintamos um trapo quando vemos outra pessoa melhor do que nós. De modos que ver um casal numa cena de sexo explícito e selvagem faz mais mal a quem assiste do que ver uma pessoa sendo decapitada em todos os detalhes sórdidos e tétricos possíveis.

E quando uma pessoa não consegue chamar a atenção sobre si mesma através de um jeito positivo, agradável e contagiante... Bom, se ela for fraca de personalidade, resta umas fileiras de cocaína, um monte de cirurgiões plásticos sem bom senso, e um avião defeituoso pra servi-las.

Um ídolo morre, mais de duzentas almas se vão, e um rapaz assume que sua vida é consumida aos poucos pelas drogas que usa, e a humanidade se sente um pouco melhor consigo mesma, fazendo dos mortos e condenados seu gado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário