domingo, 1 de maio de 2011

[RESENHAS] Musashi - Volumes I e II

Autor: Eiji Yoshikawa
Nº de páginas: 1808 páginas (922 do volume 1 e 887 do volume 2)
Editora: Estação Liberdade
Sinopse: Neste romance épico baseado diretamente na história japonesa narra um período da vida do mais famoso samurai do Japão, Miyamoto Musashi, que viveu presumivelmente entre 1584 e 1645. O início é antológico, com Musashi recuperando os sentidos em meio a pilhas de cadáveres do lado dos vencidos na famosa batalha de Sekigahara. Perambula a seguir em meio a um Japão em crise, onde samurais condenados ao desemprego e à miséria por senhores feudais derrotados semeiam a vilania ditando a lei do mais forte. Musashi será mais um dentre estes inúmeros pequenos tiranos, derrotando impiedosamente quem encontra pela frente, até que um monge armado apenas de sua malícia e alguns preceitos filosóficos zen-budistas consegue capturá-lo e pô-lo rudemente à prova. Musashi consegue fugir graças a uma jovem admiradora, para ser novamente capturado, e agora fica três anos confinado numa masmorra onde uma longa penitência, toda feita de leituras e reflexões, o fará ver um novo sentido para a vida, assim como novos usos para sua força e habilidade descomunais. Os caminhos rumo à plenitude do ser jamais são fáceis, e em seus anos de peregrinação em busca da perfeição, tanto espiritual quanto guerreira, enfrentará os mais diversos adversários, tendo inclusive que sair-se várias vezes de situações desesperadoras. É numa dessas situações que, totalmente acuado, usará pela primeira vez, em meio ao calor da luta e quase inconscientemente de início, a surpreendente técnica das duas espadas, o estilo Niten ichi, que o tornaria famoso pelo resto dos tempos.

Volume I

Foram as 922 páginas mais prazerosas que já li até hoje. Poucos s
ão os autores que conseguem segurar um leitor numa obra tão extensa como esta sem perderem o foco e começarem a enrolar, e isto é algo do qual não podemos acusar Eiji Yoshikawa.

Pra começar, seu estilo é muito simples, suas descrições de cenários são muito econômicas e objetivas, e ainda encontram espaço para metáforas inspiradas e poéticas, sem fazer uso de um vocabulário rebuscado e tomar um espaço desnecessário da história em si.

Outro elemento que se destaca na obra são os diálogos.
Todos têm uma fluidez que torna a leitura agradável, pois os personagens, mesmo aqueles que falam de uma maneira mais "formal", conversam como pessoas normais, e não como "personagens de um livro". Neste ponto a tradutora Leiko Gotoda merece méritos pela excelente adaptação do texto para o nosso idioma.

Mas é claro que a história não teria essa capacidade de conduzir o leitor com tanta eficácia se não existissem personagens cativantes e marcantes, e Musashi está cheio deles, a começar pelo protagonista, de personalidade forte, impulsiva, que esconde por trás de sua agressividade e imprevisibilidade uma sabedoria conquistada ao longo de uma dura e longa jornada que temos o prazer de acompanhar desde o início.

Otsu, eternamente apaixonada por Musashi, também conquista nossa simpatia por não ser apenas uma mocinha chorosa, que fica lamentando o tempo todo (embora ela tenha sua parcela de lamentações e choros ao longo da história), e suas aventuras ao lado de Joutaro, o garoto que torna-se discípulo de Musashi, funcionam como subtramas divertidas.

Além deles, temos o monge Takuan, que é um dos personagens mais engraçados e carismáticos da saga, cujas poucas aparições sempre rendem ótimos momentos de sabedoria regados com muito humor. E não podemos esquecer dos tragicômicos Matahachi e Osugi.

Com uma seleção variada e muito bem trabalhada de personagens, uma trama que flui com segurança e jamais se torna maçante, ótimas seqüências de luta, várias lições de filosofia oriental e história do Japão, Musashi é uma obra-prima que merece a adoração que conquistou desde sua publicação. Nada menos do que o merecido para o nascimento de uma lenda.


Volume II

Este volume, ligeiramente menor que o anterior, curiosamente parece possuir um peso maior no que diz respeito à quantidade de ensinamentos presentes na história, e à profundidade que eles alcançam.

Desde o início se mostrando uma obra ambiciosa, cujo desenrolar fluido torna sua leitura agradável, o volume 2 de Musashi confirma o que o primeiro já comprovava: Eiji Yoshikawa é um dos grandes escritores japoneses, e um dos melhores que este mundo já viu.

Neste a história assume um ritmo mais lento, em contraste com o turbulento final do volume anterior, o que funciona como uma retomada de fôlego, um momento de transição para a história e seu protagonista. Há uma mudança marcante na maneira como Musashi passa a encarar sua própria jornada até ali, e o verdadeiro sentido por trás dela. Ele assume uma postura mais humilde e contemplativa, e passa a encarar a vida de um ponto de vista mais elevado, enxergando agora o "caminho do guerreiro" como algo que vai além dos duelos.

Mas Eiji não se esquece do magnífico trabalho de composição e desenvolvimento de personagens exibido no primeiro livro, e aqui prossegue mais à vontade, conduzindo cada um deles com naturalidade ao longo da trama, tirando proveito da empatia que seus leitores estabeleceram com vários dos coadjuvantes no volume anterior.

É tocante e admirável ver a maturidade e resignação alcançada por Otsu, ao mesmo tempo que demonstra uma esperança inabalável, e uma devoção que alimenta cuidadosamente, demonstrando o enorme equilíbrio alcançado ao longo dos anos de espera. Além disto, é a protagonista de uma das seqüências mais emocionantes do livro, que serve de catalizadora da redenção de outra personagem. Otsu é, de longe, a personagem mais apaixonante da obra.

Osugi continua a velha senhora que amamos odiar no primeiro volume, cuja incansável busca por vingança continua gerando ótimas tiradas de humor. Enquanto Matahachi desperta nossa compaixão, levando-nos a lamentar os erros que comete quase que por compulsão, apesar das várias chances que recebe de dar um rumo melhor para sua vida.

Embora não dê para esmiuçar aqui o desenrolar das histórias de cada coadjuvante, vale mencionar a introdução de Iori, o novo discípulo que Musashi ganha neste volume, cuja personalidade Yoshikawa consegue diferenciar muito bem da de Joutaro. Takuan tem poucas mas ótimas aparições na história, ainda exibindo o enorme carisma que conquistou muitos leitores no volume 1. E, claro, temos mais um pouco de Sasaki Kojiro, cuja rivalidade com Musashi vinha sendo alimentada desde a metade do volume anterior, alcançando aqui sua culminância.

Além do longamente esperado confronto entre Musashi e Kojiro, este divide com o primeiro aquela que julgo uma das melhores cenas de humor deste volume. Ela que se passa numa casa de chá, onde Kojiro, conversando com alguns pedreiros, começa a criticar severamente o desempenho de seu futuro adversário na batalha de Ichijoji, apenas para descobrir, minutos depois, que Musashi ouvia toda a conversa enquanto fingia estar dormindo num cômodo vizinho. A forma como toda a cena se desenrola, e o instante em que Kojiro descobre Musashi, ainda deitado, encarando-o fixamente, é uma das grandes provas de quão completo é Eiji Yoshikawa como autor, que se sai bem tanto em cenas cômicas, quanto naquelas de peso mais dramático.

Yoshikawa continua merecendo todos os elogios possíveis com relação à forma como leva o leitor a pincelar em sua mente traços precisos e evocativos dos cenários e paisagens descritos, sem lhe exigir o menor esforço, com a mesma leveza e espontaneidade com que Musashi pinta paisagens no estilo haboku em diversos momentos da narrativa, tudo isto de uma forma envolvente e imersiva.


ATENÇÃO, o parágrafo abaixo contem SPOILERS que podem estragar surpresas do final da história!


Por fim, é digna de nota a decisão do autor de concluir a história de Musashi em seu momento mais glorioso, sem encerrar todas as subtramas até ali desenvolvidas. Este é o maior indicativo de que trata-se, acima de tudo, de uma grande homenagem de Yoshikawa a um dos mais fascinantes personagens do Japão, e um convite que ele deixa ao leitor para continuar desvendando Musashi em outros livros a partir daquele ponto, tornando a experiência de conhecer sua história tão plena quanto a visão que Musashi alcança do "caminho do guerreiro". Sua vida vai muito além do que dois livros são capazes de retratar, especialmente quando falamos de um homem que conseguiu ser maior que a própria.


Obs.: as resenhas acima foram originalmente publicadas na rede social Skoob.

2 comentários:

  1. Legal, deu vontade de ler, mas ainda não to muito animado pra encarar tantas páginas...

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  2. Olá!
    Encontrei sua página procurando por uma resenha de Musashi, pois ainda não li este livro e uma amiga estava pedindo recomendações.
    Realmente achei sua resenha sensacional! Além de muito bem escrita, senti que ela fez um overview completo, abrangendo os principais aspectos da história.
    Estou há anos adiando esta leitura, e talvez eu demore mais um pouco para me aventurar na obra, mas com certeza não quero sair dessa vida sem ler este épico.
    Vou passar o seu link para a minha amiga.

    Um grande abraço!

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