sexta-feira, 16 de julho de 2004

[CONTO] O Casulo (texto republicado)


Era uma vez uma lagartinha que tinha acabado de sair do seu ovinho. Assim que fez isso, ela começou a caminhar pela terra e pelas árvores da floresta a procura de folhinhas para se alimentar, e crescer forte e saudável.

Comia que comia! Se abarrotava de folhinhas. Dali a um tempo, tirava um tempinho pra descansar, fazer a digestão, e voltava a comer mais.

Nessas ela passou por vários e vários lugares da floresta, em busca de folhas de diversas variedades. Afinal, mesmo ainda muito novinha, ela também se cansava de comer sempre do mesmo tipo de folha. E assim a lagartinha fez uma viagem por boa parte da floresta. Percorreu distâncias muito grandes para o tamanho dela, mas, mesmo assim, ainda faltava muito pra conhecer toda a floresta.

Um dia, quando ela achou que estava muito bem alimentada, e que já tinha andado demais, o suficiente pra comer folhas de diversos tamanhos, formas e sabores, ela resolveu criar um casulo ao seu redor, para, dentro dele, descansar um pouco. Passar um tempo por lá até ela voltar a ficar com mais fome ainda, e mais ânimo para caminhar por novos locais da floresta e procurar por folhas ainda mais diferentes das que ela já havia comido. E por lá ficou...

Passaram-se semanas, meses, e a lagartinha continuava no casulo. Ela o achava muito confortável, quietinho. Nada nem ninguém poderia incomodá-la. Só nele ela encontrava aquela paz toda, pois ela sabia que, por mais que ela gostasse de caminhar pela floresta, esta ainda era cheia de ruídos que às vezes cansavam, incomodavam.

Nessa época, muitas foram as vezes que ela pensou em como seria bom se, por algum tempo, ela pudesse estar em um lugar silencioso, calmo e tranqüilo, sem nenhum ruído, e nada para incomodá-la. E só agora ela percebia o quanto era bom estar em um lugar assim, dentro de seu pequeno, mas aconchegante casulo.

Mas, conforme o tempo foi passando, ela sentia que algumas coisinhas mudavam nela. Sentia que estava passando por uma transformação, mas não sabia bem por quê. Seria por alguma folha que ela comeu? Ou porque já estava a muito tempo no seu querido casulinho? A resposta ela ainda não sabia. Aliás, nem sequer sabia o que estava mudando nela, pois dentro do casulo nada ela podia ver. Apenas um grande nada, que ela acaba sempre preenchendo com seus pensamentos sobre a floresta lá fora, ao se lembrar das longas caminhadas que fazia em busca de folhinhas diferentes.

E passou ainda muito tempo. E a lagartinha só pensava e pensava. Recordava-se da floresta lá fora, relembrando-se de cada detalhe, de cada árvore pela qual passou, de cada pedrinha da qual ela teve que se desviar para continuar o seu percurso, de cada novo animalzinho que ela conheceu na sua longa viagem. Fez inclusive algumas amizades, sendo que a amiga que ela mais gostava era uma borboletinha jovem, que havia acabado de aprender a voar quando a conheceu.

Ah, dessa ela se lembrava muito bem, pois foi a única amiga de quem ela se despediu antes de criar seu casulinho. Várias e várias vezes a lembrança da borboletinha que iria ficar esperando por ela lá do lado de fora passava pela sua cabeça. Mas, mesmo assim, ela ainda gostava muito do casulo para deixá-lo. Abandonar aquele lugar tranqüilo e seguro não era uma idéia que lhe agradava.

Porém, um dia, sua curiosidade e, especialmente, sua saudade que sentia da amiga, bateu mais forte, e ela resolveu olhar para o lado de fora do casulo, mas só olhar. Quando ela fez isso, teve uma triste surpresa. Encontrara, bem pertinho dele, sua amiguinha borboleta, morta, sendo carregada pelas formigas.

Ela ficou tão chocada que sua única reação foi voltar para dentro do seu casulo, e ficar parada, por horas, tentando entender o que tinha acontecido. Mas antes mesmo de ela chegar a uma conclusão, as lágrimas começaram a cair de seus olhos.

Não eram apenas lágrimas de tristeza, mas também de desespero e de insegurança.

A floresta lá fora, que antes só era muito cheia de barulho, agora se tornara perigosa demais diante dos seus olhos. Tão perigosa que até sua maior amiga tinha morrido, bem ao lado do seu querido casulo.

Ela não conseguia entender como as coisas puderam mudar tanto enquanto esteve dentro dele. Na verdade ela nem sabia se a floresta tinha ficado assim enquanto ela estava protegida de tudo ao seu redor, ou se as coisas já eram daquela forma mesmo antes de criar seu casulinho.

A confusão, a tristeza e o medo fizeram com que a lagartinha continuasse lá dentro ainda por muito tempo, tanto que ela até esqueceu que existia uma floresta imensa fora dele. Pensou tanto a respeito disso no início de seu isolamento, que agora nem conseguia mais pensar. Se contentava apenas em ficar por lá, sem fazer nada. Só contemplava o grande vazio que enxergava à sua frente, embora, na realidade, não houvesse vazio algum dentro do casulo, pois ela o preenchia completamente.

Foi então que, um dia, alguém bateu no casulo. "TOC TOC"

A lagartinha ficou assustada. Nunca havia acontecido isso antes. Ela já havia até esquecido que existia muita coisa além do casulo onde vivia. E, conforme suas lembranças voltavam, seu medo aumentava, e ela ficava mais pensativa e preocupada.

Pensou tanto que um minuto se passou e, novamente, o "TOC TOC" foi ouvido.

O barulhinho, tão comum, para ela mais parecia uma assombração. E a insistência das batidas, que se tornavam mais freqüentes, fazia com que mais freqüentes e intensos se tornassem os medos da lagartinha, que tapou os ouvidos, resolvendo ignorar o barulho, esperando que fosse apenas mais um dos seus sonhos, que já há alguns meses, estavam se tornando cada vez menos freqüentes.

Minutos se passaram, e por mais que a lagartinha tentasse não escutar os barulhos, mesmo tapando os ouvidos, ela ainda conseguia ouvir as batidas do lado de fora do casulo. Sim, elas continuavam.

Depois de um tempo, que pra lagartinha pareceu uma eternidade, seu medo foi diminuindo, pois ela já estava começando a se acostumar com as batidas, que nem pareciam mais tão aterrorizantes quanto antes. E conforme seu medo diminuía, sua curiosidade em saber quem ou o que estava batendo do lado de fora, aumentava.

Ainda estava muito pensativa, pesando os prós e os contras, e tentando encontrar a melhor decisão a ser tomada.

Olhar do lado de fora do casulo, ou continuar ali, esperando que uma hora as batidas parassem?

Ela até esperou ainda um bom tempo, pensando que quem estivesse batendo se cansasse. Isso se fosse mesmo alguém, ao invés de algo. Mas foi ela que acabou se cansando de esperar, enquanto as batidas, ao contrário, se tornavam cada vez mais firmes e insistentes.

O medo de olhar para fora do casulo ainda existia, mas estava praticamente encurralado pela curiosidade da lagartinha. Assim, ela resolveu finalmente dar uma espiada.

Abriu um buraquinho no casulo, olhou pra fora e se surpreendeu com o que viu.

Era uma borboletinha. Muito parecida com a sua amiguinha, que já havia morrido há muito tempo. Porém, essa era ainda mais bonita que sua antiga amiga, e maior também. Tinha umas asas enormes, anteninhas arrebitadas, e pernas bem longas.

A lagartinha ficou encantada com a visão. Tanto que não conseguiu dizer nada. Ao contrário da borboletinha que, apesar de surpresa, resolveu falar.

Ela disse que vivia naquela floresta já fazia um bom tempo, e que sempre passava por ali em suas "voadas matinais". Toda vez que fazia isso, ela ficava olhando, intrigada, o casulo onde a lagartinha vivia, e se perguntava como seria ela quando saísse.

Meses e meses se passaram e, vendo que aquele casulo ainda continuava lá, intacto e inerte, ela resolveu descobrir o que acontecia. Porque a lagartinha ainda não tinha saído. Por isso, ela resolveu bater e acabar com as dúvidas que tanto a atormentavam durante seus passeios pela floresta.

Depois de ouvir atentamente a história da borboletinha, a lagartinha criou coragem, e resolveu explicar o motivo.

Disse que não saía porque no casulo ela mais confortável, mais calmo e menos perigoso que na floresta, e que preferia ficar lá dentro, tendo essa paz toda, do que fora, enfrentando todos aqueles problemas chatos.

Ao ouvir as explicações da lagartinha, a borboletinha disse que também gostou muito quando ela criou o seu casulo, mas que achou melhor ainda quando saiu dele. Falou das maravilhas que viu voando pela floresta, dos lugares, animais e insetos novos que conheceu com tamanha empolgação, que os olhos da lagartinha chegaram a brilhar por alguns instantes enquanto escutava a sua visitante.

Mas a lagartinha retorquiu, e disse que, apesar de parecer muito legal tudo aquilo, não significava nada pra ela, afinal, ela não tinha asas como a borboletinha.

A borboletinha ficou muito surpresa depois que ouviu a lagartinha. Achou estranho ela dizer aquilo. Pior ainda, achou que era impossível tudo aquilo que ela disse. Afinal, onde já se viu alguém sair de um casulo sem asas?

A lagartinha não entendeu o motivo da revolta da borboletinha, e perguntou o que ela queria dizer com tudo aquilo.

Mesmo estando mais confusa que a lagartinha, a borboletinha disse que o motivo era óbvio, pois toda a lagartinha que entrava no casulo, quando saia dele ganhava asas.

Porém, isso fez a lagartinha ficar ainda mais confusa, e ela perguntou como era possível tudo isso. Simplesmente não conseguia entender de qual maneira ela poderia ganhar asas quando saísse do casulo.

A borboletinha também não sabia explicar, por isso, apenas disse pra lagartinha sair. Assim, ela veria com seus próprios olhos.

Só que pra lagartinha aquilo tudo parecia estranho demais. E mais estranho ainda seria se ela acreditasse nas palavras de uma estranha que acabara de conhecer. Por isso mesmo, ela disse que não sairia de jeito nenhum.

A resposta da lagartinha até fazia sentido pra borboletinha. Mas ela ainda não achava certo deixar que sua "recém-conhecida" continuasse no casulo, e deixasse de descobrir que ela também ganharia asas quando saísse. Por isso insistiu. Porém, ela não tocou no assunto das asas, e sim fez uma pergunta pra lagartinha:

- Por que você tem tanto medo de sair? Eu sei que aqui fora às vezes é perigoso, mas não chega a ser tanto assim. E pode ter certeza que é bem mais agradável que o seu casulo, pois os lugares lindos onde você pode ir, e as pessoas novas que você pode conhecer acabam fazendo você se esquecer de problemas como ruídos, por exemplo, que você acaba achando até bem bobos com o tempo.

A lagartinha pensou e pensou. Achou que a borboletinha podia estar certa, mas ela ainda achava melhor ficar dentro do casulo e se prevenir. Disse que ainda não era a hora de ela se arriscar lá fora.

Um pouquinho impaciente, a borboletinha disse, com todas essas palavras:

- Como assim "ainda não é a hora"?! Você está nesse casulo a mais tempo do que eu consigo me lembrar. Já está mais do que na hora de sair dele. Por que não se arriscar? O que você tem a perder? Tem medo de perder a vida aqui fora? Pois saiba que todos os dias morre alguém por aqui. Todos. E pode ser que amanhã seja tanto eu quanto você. E não vai ser um casulo que irá impedir que a morte chegue até você. Porque uma hora você não vai ter mais como se manter aí dentro. Pode até ser que alguma coisa aconteça com o seu casulo. Por exemplo, que ele caia no chão, e se quebre, e você morra com a queda. Mas a vida é assim mesmo. Nada se consegue se, de vez em quando, você não se arriscar. E ficando aí dentro, esperando que "algo" aconteça para que a "hora certa" de você sair chegue, com certeza não conseguirá nada.

- Olhe bem para essas asas! - continuou a borboletinha - Você acha que eu as teria conseguido se não saísse do meu casulo? Acha que eu estaria voando de um lado para o outro, conhecendo muitos lugares e pessoas se eu não tivesse saído dele? Claro que não. E é justamente isso que você está fazendo. Olhe ao seu redor e veja quanta coisa você está perdendo, e quanto tempo da sua vida você está desperdiçando ficando aí, "se protegendo" da floresta, com medo de acabar como a borboletinha que morreu ao lado do seu casulo.

- Como você sabe disso?! - perguntou, surpresa, a lagartinha.

- Porque ela era a minha irmã.

- Sua irmã?! - indagou a lagartinha, mais surpresa ainda - Então é por isso que você é parecida com ela...

- Sim, isso mesmo. Viu só? Minha irmã morreu aqui. Uma pessoa de quem eu gostava muito. Garanto que mais até do que você gostava dela. Porque eu sei que vocês se conheciam. Ela falava muito de você na época. E nem por isso eu continuei dentro do meu casulo. Sim, porque, quando ela morreu, eu ainda era uma lagartinha como você, mas já sabia das coisas. Fiquei muito triste quando soube da morte dela, mas não fiz disso um motivo para continuar no meu casulo. Muito pelo contrário, eu usei isso como um incentivo a mais. Não via a hora de sair dele, ganhar minhas asas, e sair voando floresta afora. Sabe por quê? Porque eu queria fazer tudo que minha irmã deixou de fazer. Tudo que ela iria fazer se continuasse viva até hoje. Fiz esse juramento pra ela antes de entrar no meu casulo.

A lagartinha, ao ouvir tudo aquilo, assim como há muito tempo atrás, quando acabara de ver sua amiguinha morta, derramou lágrimas. Mas não eram apenas lágrimas de tristeza. Acima de tudo ela sentia vergonha do que havia feito de sua vida depois daquilo. De como ela foi tão estúpida a ponto de se isolar de tudo ao seu redor, e se fechar em seu casulo, pensando que ele era a única coisa que importava.

Vendo a lagartinha tão triste e deprimida, a borboletinha se aproximou dela, lhe enxugou as lágrimas, e estendeu-lhe a patinha.

Ainda com os olhos marejados, a lagartinha lançou um olhar regado de tristeza e angústia para a borboletinha, depois se voltou para a patinha estendida dela, e em seguida para dentro do seu casulo. Ficou olhando pra ele longamente, até que um raio de sol vazou por dentre as folhas da árvore onde o casulo se encontrava, batendo bem sobre o seu rosto, e neste instante ela se lembrou da floresta ao seu redor. Olhou toda aquela variedade de formas e cores, ouviu os diferentes sons, dos mais próximos aos mais distantes. Acima viu o céu azul, salpicado de nuvens que mais pareciam algodão, e abaixo as formigas carregando folhas. Todas ela já tinha comido quando ainda era uma lagartinha jovem.

Novamente ela se voltou para a borboletinha, esboçou-lhe um lindo sorriso, enquanto passava a segurar a patinha dela, e saiu do casulo, lentamente. Neste instante, lindas asas de um azul celeste se abriram às suas costas. As duas sorriram uma para a outra, apertaram as patinhas e saltaram da árvore.

Aquele foi o melhor vôo que a "borboletinha do casulo" fez em toda a sua vida...


Data da publicação original: 12 de maio de 2003

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Comentários:

Oi Wolv, que linda essa história. A nossa realidade é tb assim, o medo nos aprisiona, mas temos que viver e vivendo, sentimos e amamos. Agradeço pelas tuas palavras carinhosas no meu último post. Na realidade o meu aniversário é amanhã, dia 20. Muitos já foram me parabenizando. ADOREI O CARINHO DE TODOS. ESTA AMIZADE É muito gratificante. bEIJINHOS.

anne | Email | Homepage | 19-07-2004 18:37:04
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Bem, naquele msn era eu sim, e dai? não sei o que a puta da su falou com você e nem quero saber! pra mim pouco importa! só vim aqui dizer que é legal vc não gostar de ser enganado, mas acho q vc gosta de ser manipulado, só isso! se ela naum discutiu uma palavra comigo e fez vc ter aquela briga comigo, sinal de q ela manipula bem! já te deletei e exclui, e só vim aqui desejar que vc seja bem manipulado, e mostre o verdadeiro perdedor que você é sendo manipulado! quem tem um blog escrito tanta coisa legal, poderia ter ao menos uma opinião própria! Bem, vou indo! Como alguém dizia: Sem mais, me desconecto!

Ryuu | 19-07-2004 00:01:26
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Não fale em borboletas...

Tabi | 18-07-2004 22:38:19
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...

Wolv | 18-07-2004 19:55:20
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Me linke aí: www.eflog.net/isabelle Fui.

Isabelle | Email | Homepage | 18-07-2004 18:25:57
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Belo conto, mas você sabe muito bem que na realidade as borboletas não param para se importar com as lagartas, não é?

C | Email | 17-07-2004 22:46:09

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