quinta-feira, 23 de outubro de 2003

[REFLEXÕES] Insatisfação

Um dia desses, ao olhar pela janela do meu quarto, notei quão insatisfeito eu sou por ser um simples ser humano.

De repente eu me achei um dos seres mais limitados que existem nesse planeta, justamente pelo fato de só poder ser isso: um ser humano.

Mas não só apenas por ser um ser humano, e sim por ser o indivíduo pertencente à espécie humana chamado Rodrigo Ferreira Simões de Souza, pois também me senti preso a essa condição. A de ser somente eu mesmo.

Me veio toda essa sensação de insatisfação em minha mente após ver apenas uma ínfima parcela do mundo lá fora, através da janela.

Via um homem subindo uma rua a pé e um carro descendo essa mesma rua. Um pássaro cortando o céu e as folhas das árvores se movendo com o vento. As nuvens no céu em seu lento flutuar, e tantos outros detalhes daquela pequena paisagem que ali estava, quase que me chamando para ser vislumbrada, apreciada e, diria eu, até mesmo degustada.

Era pouco. Muito pouco se levada em consideração a extensão daquilo ao qual pertencia aquele pequeno filete do mundo exterior, mas era o suficiente pra demonstrar o quanto eu estava deixando de aproveitar o que havia lá fora.

E agora me recordo de uma conversa que tive há algum tempo atrás com um amigo meu, via internet, em plena madrugada, onde ele dizia ouvir os miados de um gato próximo à janela de seu quarto. Não me lembro exatamente se ele chegou a abrir a janela para olhar o animal que ali se encontrava, mas lembro muito bem do que ele disse logo em seguida. Me revelou que daria de tudo para saber todas as experiências pelas quais aquele gato havia passado até chegar àquele exato momento, onde sua vida e a daquele animal estavam se cruzando.

Achei interessante ler aquilo. Saber o quanto ele queria de ter acesso à tudo que um simples animal presenciou durante sua curta existência até, uma bela noite, resolver miar bem debaixo de sua janela.

Compartilho do mesmo desejo que ele. Ou, pelo menos, de uma parcela do desejo que lhe dominava a mente naquele dia, pois eu iria mais além.

Minha vontade não é apenas a de saber o que um gato fez durante toda a sua vida. Tudo o que ele viveu, tudo o que presenciou, todos os perigosos dos quais se safou, cada refeição que ele havia feito, e ver com seus próprios olhos cada uma de suas caminhadas noturnas sobre os telhados de inúmeras casas. Não, isso é pouco pra mim.

Gostaria de ser a folha de uma árvore vivendo em uma floresta tropical, recebendo as gotículas do orvalho, realizando a fotossíntese ao ser banhada com a luz do sol. O mesmo que aquece o asfalto das ruas por onde trafegam os veículos em uma metrópole. E eu também gostaria de saber como é sustentar o fluxo da vida urbana. Sentir os pneus de borracha em atrito com um "corpo" que se estende por toda a cidade.

Ser uma nuvem no céu, servindo como testemunha do drama diário que se desenvolve lá embaixo, só aguardando a hora de, uma vez mais, fazer parte de tudo aquilo, sob a forma de gotas cristalinas em um dia chuvoso. Chuva que também cai sobre as águas oceânicas. E lá, queria ser uma simples gota, e novamente voltar a me tornar parte de um todo que preenche dois terços desse mundo que tanto tem a me oferecer... a nos oferecer.

Nos oceanos, também desejaria ser um peixe, ou um animal marinho qualquer, desde que fosse nas mais profundas águas existente neste planeta, apenas para acessar as maravilhas que lá se escondem. Presenciar o fenômeno da vida se manifestando entre os seres fantásticos que se encontram naquele ambiente hostil, suportando a pressão de um mundo inteiro sobre si próprios.

E, das profundezas dos oceanos, chegar aos céus. Ver as ruas e avenidas de uma cidade pacata. As árvores de uma floresta, e flores das mais variadas cores cobrindo extensos campos intocados pelo homem. Ir às montanhas mais altas, e descer os penhascos mais profundos, em vôos rasantes, onde sentiria o vento movendo cada pena de minhas asas. Asas que bateriam mais e mais, a fim de subir o máximo que pudesse, e ver um mundo tão pequeno e frágil, lá embaixo, como também o seria meu corpo, pois, sendo um pássaro, não gostaria de ser grande, e sim leve e ágil, a fim de alcançar as mais altas velocidades em pleno ar, e me sentir uno com o vento no qual eu mergulharia meu corpo durante os vôos.

Queria ser um pouco de tudo que existe nesse imenso globo onde nossa espécie já vive a tanto tempo. Ser até mesmo outras pessoas, e saber como é a vida de uma mulher grávida na Rússia, ou um garoto de 10 anos na Austrália. Um pesquisador na Antártida, ou um varredor de ruas na Índia.

Mas não posso ser tudo isso, e quando me vem essa triste verdade em minha mente, me sinto um ser tão limitado quanto uma pedra. Sim, uma simples, rígida e inanimada pedra.

Pode parecer estranho pensar assim, afinal, uma pedra é um corpo bruto, que não sente, não anda, e não tem a menor noção do que é o mundo ao seu redor. Ela é apenas uma pedra, e nada mais do que isso, não importando se ela se encontra no meio de um gramado semi-úmido após uma chuva de verão, ou em um deserto totalmente seco, varrido por uma tempestade de areia. Nada disso muda o fato de ela ser uma pedra, e de estar pouco se importando com isso, pois nem se importar ela pode. E é justamente essa a razão pela qual me sinto mais limitado que uma pedra.

Uma pedra apenas é alguma coisa. Ela não sente que é alguma coisa. Ela não tem a noção de ser alguma coisa. Não faz idéia de que é uma das coisas mais limitadas que existem nesse mundo. Não sabe de nada, e nem precisa saber, pois sua condição limitada não a obriga a saber disso, e não sabendo de tal fato, ela não se sente limitada, e, conseqüentemente, não sente vontade de ser algo mais além daquilo que é.

Por isso eu me sinto mais limitado do que um corpo bruto rochoso. Pq eu sinto, eu tenho noção disso, etenho condições de imaginar como seria se eu fosse aquilo que não posso ser, e a partir disso surge toda essa insatisfação, que deu origem a esse texto que aqui termina.

Apenas um retrato limitado da ilimitada insatisfação humana...


Aqui me desanexo...

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Comentários:

*_* Wolviii vc é um tremendo filosofo

Lolo | Email | 27-10-2003 17:16:54
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Ah tá...o.o"

Elt | Email | 24-10-2003 00:12:55
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Nossa Wolv, sua sabedoria é extrema. É incrível. É P-E-R-F-E-I-T-A. Nossa, jamais imaginei pensar assim como voce, mas sei lá, suas palavras me fazem refletir muito além do que eu jah refletia nesse meu mundinho... Sinceramente, parabéns. Beijos, Roxie.

Roxie Lacour | Email | Homepage | 23-10-2003 22:22:34
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Eh Wolv, relaxa... geralmente somos mais do q esperamos...

Quezacolt | 23-10-2003 16:12:07
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Tadinhu do Wolv!! Fica assim não tah totó!! Vc tem seus amigos q podem te ajudar a ser um pouco mais do q vc pensa ser... Se anima vai!! b-jão!!

May | 23-10-2003 11:34:47
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Pô, muito louco o seu Blog. Gostei.

Tony Topete | Homepage | 23-10-2003 05:57:13

Um comentário:

  1. te imaginei como o gato que mia num instante aleatório do tempo próximo a minha janela e que me instiga querer saber o que se deu de 2003 até agora (uma década de distância cronológica e é como se o o miar do gato tivesse ecoado até o meu hoje, a desembocar numa madrugada descontente)

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