domingo, 24 de agosto de 2003

[CONTO] A "Humanidade" da Humanidade

Estou em casa, na sala onde normalmente assisto TV. Não me lembro há quanto tempo estou aqui, nem o que eu estava assistindo. Só tenho acesso ao agora, ao presente, e ao que vejo neste instante no televisor à minha frente.

No momento passa uma propaganda que eu nunca vi antes. É estranha... Começa com um monte de homens, mulheres e outros seres com traços humanos dos quais não posso distinguir o sexo. A maioria se veste de uma forma esquisita. Roupas coloridas em cores berrantes, capas nos mais variados tons, alguns usam capuzes, outros capacetes. Dentre eles também há os que vestem roupas de baixo por cima das calças, tão apertadas que mais parecem uma segunda pele.

Tem os que não vestem nada, e apesar de nus, não chegam a chamar tanta atenção, pois estes só possuem corpos que lembram vagamente os de um ser humano normal.

Um dos homens vestidos de forma engraçada sai do meio dos outros, que somam dezenas. Começa a dizer o que parece ser o serviço prestado por ele e os demais. Enquanto fala, cenas ilustram suas explicações.

Vejo alguns daqueles caras com roupas coloridas mostrando o que possivelmente são poderes especiais. Apesar de que tudo me parece mais com efeitos especiais bem feitos.

O homem, que continua explicando o que eles fazem, diz que alguns deles são bons, enquanto outros não.

Muito estranho isso... Uma empresa (seria mesmo uma?!) dizendo, tão abertamente, que existem caras bons e maus trabalhando pra ela? E o que é pior, oferecendo seus serviços juntos, em um mesmo comercial?!

O cara com roupa colorida fala um telefone agora, e comenta algo sobre preços.

Aquele deve ser o logotipo da empresa... e atrás dele os homens, mulheres e aqueles sem sexo definido olham na direção da câmera fazendo "cara de mau", mesmo os que apareceram como bonzinhos durante o comercial.

Não sei o que acontece depois disso. Parece ter passado algum tempo. Horas... Talvez dias... Mas continuo olhando pra TV, me mantendo na mesma posição em que me encontrava depois que aquele comercial estranho terminou. Na tela passa o que parece ser um noticiário...

Um hospital, talvez... Os corredores pelo menos parecem ser os de um hospital. Pessoas correm por eles, desesperadas. Algumas carregam malas, mochilas, mudas de roupa... Outras não levam nada senão o semblante horrorizado, amedrontado...

Vejo agora o motivo de todo o pânico... São alguns daqueles homens e mulheres com roupas coloridas, capas, capuzes e capacetes do comercial. Muitos lutam entre si. Seus golpes destroem paredes, quebram janelas, e fazem tremer toda a estrutura do prédio. Amassam metal como se fosse papel...

Por que eles não param? Não vêem que estão assustando aquelas pessoas? Botando a vida delas em risco? Nem que já podem ter machucado algumas com tudo isso?

Essas pessoas que correm são inocentes. Não têm nada a ver com suas lutas...

O que foi aquilo?!

Vejo um dos quartos de onde algumas daquelas pessoas saíram. Elas deixaram algo pra trás...

Neste instante me dou conta de que não estou mais na frente da TV assistindo a um noticiário. Eu faço parte dele. Eu estou no hospital.

Essas pessoas saem dos quartos e, gritando e chorando, passam por mim. Tropeçam enquanto correm, respiram com dificuldade, não sabendo pra onde correr, e em que lugar se refugiarem para se protegerem daquele duelo de "superseres". Algumas são até levadas à força.

Viro à minha esquerda e vejo os seres de uniformes coloridos lutando. Desferindo golpes, disparando raios e rajadas de fogo, vento e eletricidade. Não se preocupam, sequer uma única vez, com aqueles que fogem do hospital, amedrontados e chocados. Feridos fisica e psicologicamente. Carregando lembranças gravadas em fogo nos recantos de suas mentes, o mesmo fogo usado por alguns daqueles seres superpoderosos, que tentam ferir e matar uns aos outros sem nenhum motivo aparente.

Como podem ser chamados de seres humanos, classificados como "animais racionais", se o que eles menos aparentam possuir é razão?

Mas, aquelas pessoas, as que fugiram, deixaram algo pra trás, dentro dos quartos dos quais saíram. Me lembro disso, e por essa razão me aproximo de um dos quartos. E vejo que não deixaram "algo" pra trás... Deixaram alguém...

É uma criança. Parece ser uma criança, pois reconheço nela traços de um pequeno ser humano. Mas, ela mais parece um "esboço" mal feito de um ser humano. Seu corpo tem muitas deformidades físicas de nascença...

Ela chora. É um choro estranho. Não chega a ser humano, mas também não é comparável ao de um animal. Na verdade, nem chega a ser um choro: é uma tentativa de chorar.

Eu não digo nada, nem faço coisa alguma. Me encontro imóvel, olhando para aquele ser que não só tenta chorar como também se esforçar para parecer um ser humano. E eu me lembro das pessoas que a deixaram pra trás... Me lembro também de que muitas delas saíram de outros quartos, e decido olhar se tinha alguém neles também.

Enquanto caminho entre um quarto e outro, meus olhos se voltam rapidamente para os "animais", que só se parecem com seres humanos, lutando entre si com seus "superpoderes" pela "sobrevivência do mais forte". Volto por alguns segundos à realidade da situação...

Chego ao outro quarto, e encontro, pra minha surpresa, outra criança, mais deformada fisicamente do que aquela que encontrara agora a pouco. Neste instante, algo me impulsiona e começo a correr pelo corredor, indo de quarto em quarto.

Nenhum deles estava vazio...

Vejo outras crianças, com deformidades físicas das mais variadas e grotescas que já tive a chance de ver em toda a minha vida. Parecem projetos fracassados de seres humanos...

Algumas choram, outras gritam, muitas tentam fazer isso mas não conseguem. Outras nem sequer tentam, permanecendo estáticas, como amontoados de carne morta e disforme. Haviam aquelas que se pareciam com isso...

A cada rosto disforme que eu via daqueles pequenos seres não parava de me lembrar dos "seres humanos" que os deixaram pra trás. E tão pouco do perigo que corriam graças às lutas travadas por aqueles animais que só se "vestiam" de seres humanos para se matarem, não importando se, com isso, tirassem a vida de outras pessoas além das suas.

Mas também me lembro que eu posso morrer ali. Que se não quisesse isso deveria fugir, como fizeram, minutos atrás, aquelas pessoas que passaram por mim.

Uma vontade repentina de fugir daqui, para salvar minha vida, invade minha mente. Mas, neste instante, me lembro que aquelas mesmas pessoas que fugiram deixaram seres vivos pra trás. E, acima de seres vivos, seres mais inocentes do que elas mesmas.

Aquelas pessoas poderiam não ter nada a ver com aqueles animais que se degladiavam, destruindo tudo ao nosso redor. Mas estas crianças não só não tinham culpa alguma daquilo estar acontecendo, como também não tinham que morrer apenas por não serem "mais humanas" que os "seres humanos" que as abandonaram.

E agora me dou conta de que elas são mais humanas do que aqueles que as deixaram pra trás, porque elas são seres puros. Seres humanos em seu estado mais puro. Seres humanos que ainda não tiveram chance de se "infectarem" com tudo o que há de pior na raça a qual pertencem. Não sabem do que os "seres humanos normais" são capazes. E muito menos têm a capacidade de compreenderem porque aquelas pessoas deixaram elas pra trás.

Pobres almas puras de corpos deformados que mascaram a beleza de suas inocências, qual vasos mal-esculpidos que carregam a mais límpida das águas...

Humanidade desgraçada, que mais valoriza a carne do que aquilo que lhe dá movimento... Lhe dá vida...

Vidas inocentes... Seres humanos inocentes, presos em corpos que não podem demonstram quão belos são os seres que lhe habitam...

Não posso deixá-los pra trás, como fizeram aqueles donos de "vasos" belos, mas que carregam "águas"imundas.

Não posso permitir que aqueles animais disfarçados de homens, com suas cores, capas, músculos, e"superpoderes", matem estes verdadeiros seres humanos.

Não posso deixar que destruam as vidas de seres humanos que nem sequer começaram a viver.

Elas precisam ter uma chance de mostrar que são mais do que deformidades. Mais do que "vasos mal-esculpidos". Mais do que seres inocentes abandonados por vermes imitando humanos.

Não quero abandoná-las!

Não posso e não vou!

Preciso tirá-las daqui!

Preciso sair daqui!!!

PRECISO SAIR DESSE LUGAR!!!

...

Estou deitado... Me sinto quente debaixo desses... cobertores?!

Olho ao meu redor e vejo apenas... meu quarto.

Não paro de pensar nas crianças... De como eu gostaria de trazê-las comigo... para este sonho...


Aqui me desanexo...

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Comentários:

Awwwn comercial da C&A.. eu não imaginei qual fosse... nem vejo mta tv memu... Mas demais Wolvii! Cheguei até a nem acreditar q foi vc qm escreveu..

Lolo | Email | 25-08-2003 18:11:08
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Wolf´s Rain, na minha opiniao eh o melhor anime do mundo. Para de assistir comercial da C&A e passa no Blog porra! E tenho dito.

Benix | Homepage | 25-08-2003 04:10:48

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