quinta-feira, 21 de agosto de 2003

[REFLEXÕES] A Longínqua Plenitude da Visão - Parte 2

Mas, voltemos a nossos cinco sentidos. Já sabemos que eles estão restritos a partes de nossos corpos, e que, talvez, livres dessa dependência, eles podem ser expandidos. Porém, essa é apenas uma das possibilidades. Não significa obrigatoriamente que vá acontecer exatamente isso.

Podemos estar enganados ao pensar que existem obrigatoriamente cinco sentidos básicos. E se existir apenas um?

Tudo bem, falando assim pode parecer estranho pra vocês uma pergunta como essa, por isso vou dar um exemplo.

Imagine nosso ser, nossa essência, aquela que não depende do corpo para existir, como um homem que passou sua vida inteira preso em uma cela minúscula. Tão pequena que ele era incapaz até de se sentar.

Essa cela era muito escura, tanto que o homem não podia enxergar nem a si mesmo dentro dela. A única"imagem" do lugar, se é que poderia ser chamada disso, era aquela criada por sua mente com base no que ele havia sentido ao deslizar suas mãos e pés pelas paredes e pelo chão da cela; assim como pelo cheiro das rochas que a constituíam, somado ao odor de seu suor, misturado com o de suas fezes e urina.

Sim, ele se alimentava naquela prisão. Na verdade, alimentavam-no.

Uma vez a cada dia de sua reclusão era aberto o único acesso que o homem tinha ao mundo exterior. Uma pequena fenda vertical de uns 20 centímetros de largura por 15 de altura, por onde um homem, do qual ele só via os olhos, passava, de colherada a colherada, a refeição diária do prisioneiro.

Nestes poucos minutos durante os quais se alimentava, o prisioneiro podia usar seus olhos, e ver parte do mundo que se encontrava lá fora. Por isso ele sempre ficava atento a cada detalhe, cada pedacinho daquela visão que ele tinha através da fenda pela qual passava sua comida. Pra ele aquele era o mundo lá fora. Nada mais nada menos do que aquilo que ele podia ver.

Aliás, era também durante sua refeição que lhe era possível usar seus ouvidos, pois, quando a fenda à sua frente era fechada, o som do mundo exterior não conseguia transpassar as paredes de sua prisão.

Foi assim que o prisioneiro passou toda a sua vida. Acreditando que aquele mísero filete que podia enxergar do mundo lá fora era tudo o que existia além de sua prisão. E morreu crendo nessa verdade...


Aqueles dentre vocês que possuem um certo conhecimento de filosofia certamente irá encontrar alguma semelhança entre esse pequeno conto improvisado com o famoso "Conto da Caverna" escrito por Platão, uma outra metáfora que tenta demonstrar o quanto nossa visão do mundo é precária e superficial.

Minha intenção com ele não foi apresentar uma forma melhor, mais prática e original do que aquela usada porPlatão para passar essa mesma idéia, e sim explicar, de uma maneira simples, que assim como o prisioneiro estava com seus sentidos fragmentados e presos a determinados pontos de sua prisão (a fenda, as paredes e o chão, por exemplo), os nossos podem muito bem ser apenas fragmentos de um sentido único.

Se nossos seres possuem um único sentido, que se fragmenta para adequar-se a uma existência material, ou seja, uma que depende de um corpo para receber informações do mundo exterior, como seria esse sentido único? Como algo assim modificaria nossa visão da realidade?

Estando, no corpo, restrito a partes dele, os sentidos só podem ser usados através de pequenos pontos do"invólucro" de nossos seres. Mas, livres desse invólucro, que restringe suas atuações, eles poderiam muito bem se estenderem, possuindo pontos de atuação maiores. Ou ainda usarem o próprio ser como ponto de atuação.

Imagine não precisar mais de ouvidos para ouvir alguém. Isso porque você ouve com todo o seu ser.

Ou ainda, não precisar mais de um nariz para sentir o cheiro de alguma coisa, pois você faz isso com cada parte de seu ser.

Tente conceber uma idéia de como seria você ver com todo o seu ser. Ter uma visão geral de tudo ao seu redor, ao mesmo tempo, sem precisar virar o pescoço para enxergar o que está em cima, ou debaixo de você, atrás ou na frente, à sua esquerda ou à sua direita.

Pense nessa possibilidade: ver tudo ao mesmo tempo, pois sua visão não está presa a uma parte de si, mas a si mesmo como um todo.

Agora, pense em um sentido que é a soma de todos os sentidos que conhecemos. Imagine você conseguir, ao mesmo tempo, ver, cheirar, sentir, ouvir e "degustar" uma árvore, por exemplo. Mas não falo de fazer isso tudo da forma como estamos habituados. Falo de um estágio superior no uso desses sentidos. De algo que nos permita ver aquilo que nunca vimos referente a essa árvore, sentir cheiros que jamais sentimos, ouvir sons que nem sequer sonhamos que ela produzia, e ter conhecimento de todos os sabores presentes em uma simples e mísera árvore.

A partir desse momento poderemos ter uma visão geral, única e, ao mesmo tempo, completa de todas as coisas existentes no mundo. E não só disso, mas também uma visão de cada elemento que forma tudo o que existe. Que constitui nossa realidade.

Tentem imaginar uma forma de enxergar um objeto de todos os ângulos possíveis, e isso ao mesmo tempo. Um nível de controle dos nossos sentidos que permitirá uma sintonia perfeita entre eles, a qual levará a uma espécie de "fusão" dos mesmos, que passarão a constituir um único e absoluto sentido. Ou ainda, que fará com que todos os sentidos voltem para seu estado primordial. Aquele no qual eles eram apenas partes inseparáveis de um sentido único.

E até aqui falei apenas da possível forma através da qual poderemos explorar a camada mais superficial da realidade. Entendê-la por completo para, aí sim, passar para a próxima.

Não posso deixar de citar os possíveis efeitos que acompanhariam o fato de chegarmos, um dia, a ser capazes de enxergar a quarta dimensão: o tempo.

Neste ponto eu aposto que vocês já estão cansados de ler que nossos sentidos são, de certa forma,"prisioneiros" de pequenas porções de nossos corpos, que os obrigam a ficar restritos à elas. Também já devem ter concluído que, levando essa possibilidade em consideração, nossos seres são prisioneiros doscorpos que lhes contém.

Pode-se dizer então que nossos corpos são como vasos que, caso destruídos, deixam seu conteúdo sederramar.

Mas, estando nossos seres por tanto tempo presos a esses "vasos", estes últimos podem muito bem não só terem moldado o que carregam em seu interior, ou seja, nós mesmos, como também ter parte de siassimilada por nossos seres. Assim, eliminando-se o corpo, não significa, necessariamente, que nossa essência irá se "derramar", como a água de um jarro de barro que é quebrado após lhe acertarem com uma pedra.

Para que nossos seres possam se "derramar" ou, usando um termo mais apropriado, expandir sua percepção do mundo ao redor, talvez seja preciso que eles passem por um processo de "remodelagem e desassimilação" daquilo que ele carrega em si após sua reclusão no invólucro material afim de voltar para sua forma essencial. Assim como seria preciso chegar a uma sintonia perfeita entre os cinco sentidos para que eles voltassem a ser um só, como, possivelmente, eram em sua origem.

Talvez a explicação para o fato de não enxergarmos o tempo seja a de que nossos corpos também são"pontos de concentração do ser". Uma concentração que não se refere apenas ao ser dentro do espaço, mas também a ele inserido no tempo.

Vendo dessa maneira, nosso corpo seria como uma âncora que prende nossos seres ao presente. Mas, se ela deixasse de existir, o que aconteceria?

Não digo que poderíamos "viajar no tempo", indo em direção ao passado ou rumo ao futuro. Não da forma que usualmente imaginamos.

Pensem no tempo como uma estrada enorme, da qual enxergamos apenas uma parte, ou seja, a que se encontra abaixo de nós. Como se nossos olhos se encontrassem presos àquele único pedaço da estrada, não podendo se mover para a esquerda ou para a direita.

Assim é nossa visão do tempo. Temos acesso somente a uma parte dele: o presente. O passado e o futurosão inacessíveis a seres como nós, que estamos "ancorados" a um único ponto dessa dimensão que nem conseguimos enxergar.

Enxergar o tempo seria o mesmo que enxergar passado, presente e futuro simultaneamente. Ou melhor, ter a possibilidade de projetar nossa mente tanto para trás como para frente, dentro do tempo. O que seria o mesmo que viajar através dele, pois teríamos acesso a tudo presente naquele ponto para o qual expandimos nossa visão.

Bom, pelo menos essa é uma das possibilidades que dizem como seria a forma que enxergaríamos nossa realidade com o acréscimo do tempo como dimensão visível.

Mas, como seria ver todas as dimensões que formam a realidade?

Falei até agora de apenas quatro delas quando, como citado anteriormente, existe a possibilidade de existirem muitas outras além dessas. Portanto, o que nós veremos quando possuirmos a visão mais apurada, completa e incisiva possível?

Essas são perguntas que, para seres como nós, que se encontram em um estágio evolutivo onde a visão ainda é um sentido extremamente precário, são impossíveis de se responder.

O máximo que podemos fazer se restringe a suposições, que carregam mais incertezas do que verdades absolutas.

Talvez a visão perfeita seja aquela que nos permitirá ver a beleza de toda a criação. A complexidade daquilo que forma nosso mundo, e nossa realidade. Enxergar todos os elementos que a constituem. Visualizar toda a sua estrutura, interpretá-la e, acima de tudo, compreender o papel de cada uma das partes, as quais se unem e trabalham em tão perfeita sintonia a ponto de formarem algo essencialmente inabalável diante de nossas quase que imperceptíveis presenças. Seres diante de um todo que sempre esteve lá, esperando para ser visto em sua totalidade, pedindo para que cada uma de suas camadas sejam exploradas e entendidas. Um clamor que precede nossas próprias existências, e que durará até o dia em que cada um de nós conseguirá entender completamente aquilo, ou Aquele, que pede para ser estudado e compreendido.


Aqui me desanexo...

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