sábado, 28 de novembro de 2009

As Árvores da Memória - Capítulo 9: "Casa na Árvore"

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Não havia nenhuma boca disponível pra saciar Paula. Diante da Árvore dos Beijos, ela teria que se contentar com lembranças. Necessitava de outro. Precisava sentir o toque íntimo de alguém em seus lábios. Por isto logo estendeu a mão. Quando estava a milímetros de tocar outra folha, os degraus piscaram...

- Que história é esta agora?! Deu pau nessas coisas?

Procurou não dar importância pro fato, e voltou sua atenção para a folha. Daí começaram os sons de teclas de piano, vindos também dos degraus.

- Tá bem, tá bem! Já entendi! - eles piscavam numa seqüência que saía de seus pés e ia até a próxima árvore - Vou fazer o que vocês querem, ok? Pelo jeito vocês entendem mais de onde estou, e pra onde preciso ir, do que eu... (céus, como você conseguiu chegar a uma conclusão tão óbvia, Paula? tô impressionada...)

Caminhou meio emburrada até a próxima árvore. "Hunf! Tanto faz. Não seria de verdade mesmo. Só uma lembrança de algo que já se foi." Diante dela lançou um olhar meio desleixado, distraído... "Mas foi tão real! Foi como se eu estivesse lá! Não tem diferença nenhuma! Hmm?! O que tá escrito ali?"

AMORES

- É, parece que no final das contas foi uma boa idéia seguir vocês - disse Paula ao degrau onde pisava, exibia um sorriso satisfeito no rosto - Vamos ver o que você tem, minha querida - empunhou o degrau solto que ainda carregava consigo e...

CRÁSSSS!!!!

Mais chuva de cacos, mais degraus brotando do ar, mais novos passos dados rumo a velhas recordações.

A primeira folha que viu dizia: CASA NA ÁRVORE

Não precisou tocá-la pra sentir um arrepio quente que percorreu seu corpo da cabeça aos pés. Por impulso levou seu punho até a curva entre os seios. O gesto durou uns poucos segundos, e Paula nem deu importância pra ele. Mas algo dizia que era aquela, e seus dedos curiosos foram até ela. Tocou-a e leu novamente a frase.

Sentiu-se levada por um vento doce e suave. Havia algo diferente naquela nova incursão de sua consciência. Como se o caminho até aquela lembrança fosse feito de uma pavimentação especial. Pareceu demorar-se mais naquela viagem, ao contrário das outras, que se deram de maneira súbita.

Quando finalmente chegou estava concentrada, debruçada numa folha de papel, onde desenhava um jardim muito colorido com giz de cera. Podia ver outros espalhados na mesa. Por ali passava uma brisa. Som de folhas se tocando. Sentia uma grama macia sob a sola dos pés descalços. Era um dia ensolarada, mas não quente. Era um bom dia para...

- Olha! - um borrão multicolorido invadiu seu campo de visão.
- Aaaai!! - seu coração disparou. Olhou pro lado, e viu um menino, segurando uma folha de papel com um desenho pro qual não deu tanta atenção quanto para o rosto de quem a segurava - Vai dar susto na sua avó, Felipe! - ele devia ter uns oito anos.
- Hahahaha! Você é medrosa demais!
- Medrosa nada, seu bobão! Eu tava desenhando! Não tava esperando que você aparecesse!
- Tá desenhando o quê? - e espichou o pescoço na direção da folha sobre a mesa.

Paula pulou sobre o desenho, como se ele fosse uma bomba prestes a explodir, e ela uma heróina tentando impedir que a onda de choque da explosão se espalhasse.

- Não olha! Não gosto que ninguém olhe meus desenhos antes de terminar!
- Ah, que besteira!
- Besteira nada, tá?
- Tá bom. Olha os meus então! Aqui ó! - e estendeu as folhas para Paula.

Antes de pegá-las virou pra baixo a folha com o seu desenho sobre a mesa. Não tinha reparado antes, mas agora podia notar que eram mãos de criança as que pegavam as folhas de Felipe. Pelo tamanho era da mesma idade que o menino.

Olhou com curiosidade para o primeiro desenho:

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- Que casa estranha...
- É uma casa na árvore.
- Casa na árvore? - olhou um tanto descrente para Felipe.
- Aham! Tive a idéia ontem, e desenhei. Esse é só o primeiro. Tem mais nas outras folhas! Olha!

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- Essa é a parte de trás dela.
- Que janela grande! - disse Paula, franzindo a testa com um ar de séria. Passou pra folha seguinte.

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- Essa aí é ela de lado.
- E que escada é essa que vai pro teto?
- Ah, é pra gente subir e tomar sol. Passa pra próxima pra você ver o teto!

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- Nossa..! É um teto solar?
- Aham! - e o sorriso de Felipe ia de orelha a orelha - Legal, né?
- É sim! - e passou pra folha seguinte.

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- O que é isto?!
- É ela vista de baixo!
- Puxa, Felipe! Você desenhou ela de todos os lados!
- Claro que sim! Eu pensei em tudo!
- E esse pontinho cinza aqui é o quê?
- Ué, pensei que você já tinha descoberto. É um daqueles canos de metal que os bombeiros usam pra descer lá de cima, onde eles ficam quando não tem nada pegando fogo, até os caminhões. A gente sobe pela escada e desce por ele!
- Ah tá! Legal! Deve ser divertido fazer isto!
- É sim! Por isto que vai ter! Olha a próxima! Olha a próxima!
- Espera! - e passou a folha pra trás.

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- Essa é a sala de visitas e de jogos.
- Mas só tem uma mesinha no meio... Cadê os jogos?
- Isso aí é um tabuleiro de damas! E os outros jogos depois eu desenho.
- Então tá! - próxima folha.

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- Essa aí é a janelona da parte de trás, só que do lado de dentro.
- E que negócio é esse no chão?
- É uma passagem secreta. Daqui a pouco você descobre pra onde vai.
- Certo.

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- O que é isto?
- Os cofres onde eu vou guardar meu dinheiro!
- Ah, até parece que você vai precisar desse tanto de cofre!
- Vou sim! Eu vou ganhar muito dinheiro quando for grande!
- Ah é? E vai ganhar como?
- Com a minha fábrica de brinquedos! Eu vou fazer um montão de brinquedos, e a minha casa vai ser cheia deles! E com o dinheiro que eu ganhar eu vou comprar mais um monte de revistinhas e doces.
- Sei, sei... Deixa eu ver a próxima.

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- E isto aqui, o que é?
- É pra guardar o montão de doces que vou comprar.
- Você vai é ficar cheio de bichinhos nos dentes.
- Não vou não! Eu escovo eles toda vez que eu como.
- Então você vai ficar gordo que nem o Fábio, de tanto comer doce!
- É só eu correr bastante que eu não fico!
- Então tá, né... - e foi adiante.

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- E aqui?
- É o quarto de visitas.
- Nossa, que casa na árvore grande essa!
- E você ainda nem viu meu quarto! - era notável a empolgação na voz de Felipe.

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- Esse aí é um pedaço dele.
- Essa mesinha com as cadeiras é pra quê?
- Pra eu sentar com meus amigos pra gente fazer desenhos e ler revistinhas.
- E isso aqui do lado é um guarda-roupa?
- Aham!
- E o que é isto dentro da porta?!
- É um banheiro!
- Ah, Felipe! Onde já se viu banheiro dentro do guarda-roupa?
- Ué, o meu vai ser! Já morei numa casa assim! Era bem legal!
- Que coisa mais esquisita!
- É nada, você que é boba!
- Não sou não! Bobo é você!
- Tá, pára de falar e continua olhando.
- Eu paro quando EU quiser, tá?
- Tá bem.
- Hunf..!
- Já parou?
- Já...

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- E isso aqui?
- É a estante onde eu vou guardar minhas revistinhas. Quando eu for grande vou ter um punhado delas!
- Você só sabe falar dessas revistinhas suas.
- É porque elas são muito legais! E tem uns desenhos fera!
- Hmmm...

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- E que lugar é esse?
- Meu laboratório.
- Laboratório, Felipe?! Pra quê?!
- Pra estudar insetos, ué!
- E pra que você vai estudar insetos?! Eles são nojentos! Menos a joaninha.
- São nada! Eles são legais. Teve uma vez que eu joguei um monte de açúcar dentro de um potinho e fiquei esperando até um mosquito entrar. Daí eu fechei correndo com a tampa e fiquei olhando ele lá dentro. Foi divertido!
- Não foi não! Tadinho do mosquito!
- Tadinho nada! Se eu fosse um mosquito eu ia adorar ficar preso num lugar com um montão de açúcar. E ele ficava toda hora lambendo as pedrinhas de açúcar.
- Mas ele fica sem ar lá dentro! Ele morre!
- É por isto que eu fiz uns furinhos na tampa.
- Ah tá! Então não tem problema.
- Viu só? Eu penso em tudo!

Paula não deu nem bola pro orgulho de Felipe e passou pra próxima folha:

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- Que lugar mais maluco!
- É a parede do meu quarto onde eu vou desenhar tudo que eu quiser. Vai ficar bem fera!
- Eu achei muito esquisita. E o que é isto debaixo da cama?!
- Olha a próxima folha que você vai descobrir.

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- Hã?! Isso aqui é um porão?
- Isso mesmo! - e novamente surgiu aquele sorrisão satisfeito.
- Mas Felipe! Onde já se viu casa na árvore com porão?
- Que que tem? A minha vai ter, ué! Ela vai ser a melhor casa na árvore de todas! Um dia a gente vai se casar, e eu vou construir essa casa, e a gente vai morar nela pra sempre!
- Hahaha! Seu bobo! Quem disse que a gente vai se casar?
- Eu, ué!
- E se eu não quiser?
- Você vai querer sim, porque eu sou o menino mais legal do bairro.
- É, isso você é mesmo.
- Viu? E você é a menina mais legal que eu conheço.
- Sou é?
- Aham.
- Hmmm... E esse porão com essa mesa e um monte de cadeiras, vai servir pra quê?
- Pras reuniões do meu clubinho de amigos.
- Mas precisa ser debaixo da sua cama?
- É, porque tem que ser num lugar secreto.
- Por quê?
- Porque a gente não quer que ninguém descubra onde a gente faz reunião.
- Sei... Mas... Espera aí! Se a gente vai se casar, e a casa vai ser nossa, a gente não vai dormir no mesmo quarto, que nem a minha mãe e o meu pai?
- Vai sim.
- Então pra que você vai ter um quarto só pra você?
- Pra guardar meus brinquedos e minhas revistinhas, ué! Se você quiser pode ter um só seu também.
- Hmmm... Vou pensar.
- Agora dá aqui que eu vou fazer o desenho do nosso quarto! - e tomou de sopetão as folhas das mãos de Paula - Só tá faltando ele. Vou desenhar nós dois juntos na janela. - fez uma pausa enquanto botava as folhas em ordem. Depois deu uma olhada rápida para Paula, e logo em seguida pra mesa onde estava - E deixa eu ver esse desenho seu!

Felipe arrancou a folha da mesa e saiu correndo.

- Devolve, Felipe!

Paula levantou num pulo e correu atrás dele pelo jardim afora, sem nem se tocar que ainda estava descalça.

- Devolve aqui, seu chato! Não é pra ver ainda! Você é um chato, tá me ouvindo? Não é o menino mais legal do bairro coisa nenhuma! O Fábio é mais legal que você!
- É nada! - gritou ele lá do poste de luz - O Fábio é um catarrento!
- Vou contar pra sua mãe que você tá falando nome feio!
- E ele também tem um buzanfão desse tamanhão! E deve sair um cocozão enorme de...!
- Ai, que nojo! Boca suja! Vou lavar sua boca com sabão!
- Vai ter que me pegar pri-mei-roooo!! Hahaha! - e balançava a folha com o desenho de Paula no ar.
- Me devolve, Felipe! - gritava Paula de olhos fechados e batendo um pé no chão.
- Vem pegar!
- Aaaaaaah!!! - e disparou até ele, que saiu correndo, mas não tanto quanto Paula.

BUMP! fez Paula quando pulou em cima de Felipe. Folhas voaram pra todos os lados. Felipe não parava de rir, mesmo com Paula caída em cima dele.

- Tá rindo do que, seu bobo?!!
- Hahaha! De você! Tá vermelhinha!
- Eu... - e olhou praquele menino dono de um sorriso com dentes pequenos, espertos olhos castanhos, o cabelo cheio e liso, quase loiro, espalhado sobre a grama - Tô vermelha de raiva de você!
- Tá vermelha de ver-go-nha! Hahaha! - e a barriga dele subia e descia com a risada.
- Bobo! - deu um tapa, bem de leve, na bochecha dele - Não tô achando graça nenhuma!
- Hahaha! Ficou mais vermelha agora! Aqui ó! - e tocou com os indicadores as bochechas de Paula - Bem aqui!
- Bobão! - empurrou as mãos de Felipe pra longe do seu rosto, saiu engatinhando de cima dele - Peguei! - e levantou-se com ar de vitoriosa, erguendo a folha de papel com seu desenho.
- Eu nem ia olhar, sua boba! Tava só brincando! - dizia o garoto enquanto se erguia do chão.
- Hunf!
- A gente continua amigo, né? - perguntou Felipe, enquanto espanava com as mãos os pedacinhos de grama e terra de sua roupa.
- Não sei!
- Ah, pára! Você sabe que eu sou o menino mais legal do bairro!
- Não é não!
- E você é a menina mais bonita do bairro!

E Paula olhou surpresa pra Felipe, as sobrancelhas bastante erguidas, sem dizer uma palavra. E Felipe olhou pra Paula com o sorriso que ficaria gravado em sua memória mais do que qualquer outra lembrança que tinha dele. Foi a primeira vez que Paula o achou lindo. Na verdade ela sempre achou Felipe bonito, mas não lindo, não do jeito que ela via agora, um jeito especial.

- E a gente vai se casar!

CONTINUA...

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