quarta-feira, 9 de junho de 2004

[CONTO] Sobre trilhos

Railway I

Não me lembro quando embarquei nessa viagem... Nem se fui eu quem escolheu realizá-la...

Há pouco me dei conta de que não fazia idéia de nada disso, e mesmo assim, em momento algum, tal fato me provocou estranheza...

Quando começo a me sentir absorto pelas dúvidas em minha mente, algo desfoca meus pensamentos...

Ouço o barulho de rodas metálicas em atrito com os trilhos logo abaixo, e isso desvia minha atenção para a paisagem lá fora.

Vejo árvores dos mais variados tamanhos passando rapidamente, uma vegetação rasteira, e animais pastando calmamente sobre os campos que se estendem em um horizonte aparentemente sem fim.

Logo adiante, pequenas casas começam a se aproximar de meu campo de visão.

Penso em como deve ser bom viver em um lugar tão calmo... Tão distante de todo o caos que pode ser encontrado em outras partes deste mundo tão vasto.

Alguns moradores, pessoas simples, parecem sair delas unicamente pelo prazer de nos ver passar.

Parte delas acenam pros passageiros, e eu, como que para me sentir, por alguns segundos, parte de suas vidas, retribuo o cumprimento.

Lá no alto, nuvens de uma brancura sem igual enfeitam o céu, que apresenta um azul contrastante, aumentando ainda mais a beleza deste dia, que parece não ter fim.

Agora entramos em um túnel. A escuridão invade os vagões.

Fico apreensivo. As dúvidas iniciais tentam novamente invadir minha mente.

Minha ansiedade aumenta, e torço para que aqueles segundos passem logo, e eu possa ver algo que volte a atrair minha atenção para o exterior.

Enfim, chegamos ao fim do túnel, mas a viagem ainda promete ser bem longa.

Passamos por cidades, desde as pequenas e simples, às grandes metrópoles com seus monstros de concreto preenchendo o horizonte de um tom cinza.

Até o céu, que horas atrás parecia mais um monumento à sua natureza divina, parece agora refletir o acinzentado tom da paisagem abaixo de si.

Me sinto aliviado quando, novamente, voltamos a passar por campos de um verde exuberante, onde posso divisar algumas árvores que se espalham ao longo deles. Parecem tão calmas... Tão a vontade onde se encontram... Chego a sentir inveja delas.

Várias vezes sinto vontade de pedir para que o maquinista pare o trem, a fim de que eu possa descer e ficar por lá mesmo. De pé, sentindo o vento fresco e o ar puro daqueles campos, tal qual as árvores que viviam sobre eles deviam fazer dia após dia.

Mas, tal decisão não é minha. Não na situação em que me encontro.

O trem também não tem escolha. Deve seguir seu curso, pois está preso a seus trilhos.

E eu preso a seu percurso, me restando apenas observar a paisagem lá fora, desejando um dia fazer parte dela...

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Comentários:

Eu nunca fiz dessas viagens!..~~'

Elt | 10-06-2004 01:21:54
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E o pior mesmo é que os vilões de hoje em dia nem amarram mas as mocinhas e as deixam em cima dos trilhos...

Ceres | Homepage | 10-06-2004 00:17:33
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É sempre um imenso prazer ler-te. Hoje foi um repousar nas tuas palavras. Viajei e encantei-me com a a paisagem. Muito bom! Abraços e bom feriado.

anne | Homepage | 09-06-2004 20:54:16

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