sábado, 14 de agosto de 2004

[DESABAFO] Aquele que pode

Erinner Dic



Sentado nessa cadeira acolchoada, de frente para o computador de meu chefe, olho pela janela ao lado.

Vejo o senhor dono da oficina mecânica observando o pouco movimento da rua à frente do prédio onde trabalho. Vejo as árvores se movendo com o vento, e ouço este último em atrito com o vidro da janela, assobiando. Chega a ser quase um uivo. Um grito de quem pode gritar, dizendo quão livre é. Um grito que não posso dar, graças à prisão rígida na qual me encontro.

Tenho inveja do senhor lá fora, que possui a opção de ficar lá, olhando o movimento da vida. E das árvores recebendo a brisa, provinda da liberdade que o vento possui.

Gostaria de ser ele, e poder andar livremente por aí. Não se importando com nada, apenas com seu movimento constante, viajando pelo mundo sem um rumo exato, tendo sempre a chance de conhecer novas paragens, ou passar novamente por algumas, somente para relembrar o que já foi visto.

Mais tarde eu saio, com o peso de uma semana de trabalho e estudo nas costas, tentando encontrar forças pra voltar pra casa à pé, e sinto o vento que tanto desejava em meu rosto. Um vento forte, me recebendo de volta ao mundo dos libertos. Mas essa liberdade é apenas um momento de descanso. Poucas horas, perto das muitas que gasto em minha prisão.

Porém, procuro aproveitar a caminhada, olhar a paisagem, esquecer um pouco das pessoas, tentando me concentrar apenas no vento. Tento sentir seu fluir, sua força renovadora, seu hálito puro, e seu assobio reconfortante.

Imagino um campo invisível ao meu redor, formado pelo vento, que parece realmente criar uma camada em torno do meu corpo, me isolando do todo.

Sinto ele passando por mim, tendo pressa em aproveitar ao máximo sua eterna liberdade. Sua necessidade de sempre estar em movimento. De sempre seguir em frente, sem obstáculos, ou prisões que tentem impedi-lo de ser o que é.

Mas, o vento segue seu curso, depois de um tempo. Me abandona naquele mundo que procurava esquecer em meu campo invisível.

Tento manter longe de meus pensamentos qualquer pequeno vestígio da vida que tive durante os últimos seis dias. Desviando meu olhar de qualquer objeto que procure me lembrar disso. Mas, infelizmente, é inútil.

Chego em casa, procurando não disfarçar minha tristeza por aquela caminhada estar terminando ali.

Estou de volta ao lar que pouco reconforto me traz.

Onde eu teoricamente deveria encontrar um ambiente calmo e propício a um pouco do descanso que tanto necessito, encontro conflitos, e novos problemas.

Vou pro quarto ler uma história em quadrinhos. Jogar minha mente em um outro mundo, por algum tempo, pra me esquecer desse. O prazer dura pouco... Me revolto com isso...

Volto a pensar no vento...

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Comentários:

Forfeit the game before somebody else/ Takes you out of the frame puts your name to shame / Cover up your face you can't run the race / The pace is too fast you just won't last

C | 15-08-2004 04:00:37

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