quinta-feira, 9 de julho de 2009

[CONTO] As Árvores da Memória - Capítulo 4

"Redical Solutions" de Creatyves

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O primeiro detalhe que chamou sua atenção foi a descoberta de que as folhas brancas presas aos galhos também traziam palavras escritas em si. As letras eram pretas, e no lugar de palavras isoladas formavam frases inteiras. Uma folha em especial destacou-se aos seus olhos. Dizia: "EU NÃO VOU PRO HOSPITAL!"

Resolveu arrancá-la do galho, e para a sua surpresa, tão logo fez isto, uma nova folha, idêntica, carregando em si as mesmas palavras, nasceu instantaneamente no lugar da retirada.

Encarou a folha que tinha na mão, e leu a frase novamente: EU NÃO VOU PRO HOSPITAL! No mesmo instante ficou tonta, sentiu um repuxo na cabeça, o cenário ao redor piscou, e no momento seguinte viu-se em outro lugar: ladrilhos caramelados cobriam o chão. Sobre ele cacos de vidro, uma pequena poça de sangue, na qual uma gota acabava de pingar. Seguiu a trajetória inversa da gota e encontrou sua fonte: um corte na palma de uma mão pequena e rosada. Era sua mão, só que diferente, mais jovem. Um tanto confusa, sentiu uma súbita vontade de gritar "AI!" e gritou. Apertou o corte na mão, procurando conter o sangue que escorria. Em seguida virou a cabeça para a esquerda e, varrendo o cenário com os olhos, viu-se em uma cozinha com paredes cobertas de azulejos amarelos, uma geladeira azul clara combinando com o fogão de mesma cor, uma pia com um balcão ao lado, e um armário embutido embaixo, com três portas de madeira. Bem no centro do cômodo ficava uma mesinha quadrada com quatro cadeiras. Sentiu duas discretas lágrimas desprenderem-se de seus olhos enquanto olhava com eles uma porta, por onde acabara de entrar uma mulher bonita de cabelos ruivos, usando um vestido de alcinhas verde-claro com bolinhas brancas e chinelos de dedo vermelhos. A surpresa e preocupação em seu semblante eram evidentes.

Veio correndo até ela, agachou-se, deixando seus olhos na altura dos dela, carinhosamente pegou a mão cortada, e perguntou:

- Mas o que foi que aconteceu, afinal?!
- Caí com o copo na mão - respondeu, enxugando uma lágrima teimosa.
- Ai, filha! Aposto que fez isto com pressa, como sempre!
- Eu não tava correndo, mãe! Só tropecei e caí!
- E geralmente quem tropeça faz isto porque tá fazendo algo com pressa!
- Ai mãe, não briga comigo agora, tá! O corte tá doendo!
- Eu imagino! Vem cá, vamos jogar uma água nele pra limpar.
- Tá...

Quando sua mãe levantou-se, teve uma idéia melhor de quão jovem estava. Devia estar no limiar entre a infância e a adolescência. Observava todo o cuidadoso ritual de sua mãe lavando sua mão na torneira da pia como se fosse a primeira vez, embora tudo aquilo lhe soasse nostálgico.

Olhou para a janela à esquerda enquanto a mãe enxugava a mão lavada com um pano de prato velho. A janela dava para um quintal gramado. Lá no fundo via uma casinha de cachorro bem debaixo da sombra de uma árvore.

Sentiu um aperto na mão cortada. Sua mãe havia amarrado o pano de prato em torno do corte.

- Pronto! Agora aperta bem firme o pano contra o corte, e continua assim. Eu vou buscar as chaves.
- Que chaves, mãe?!
- As do carro, oras! Vou te levar pro hospital pra cuidarem disto.
- EU NÃO VOU PRO HOSPITAL!
- Como não vai? Tá achando o que, menina? Que esse corte vai fechar sozinho?
- Claro que vai! Do mesmo jeito que fechou aquele que eu fiz no joelho mês passado.
- Filha, esse aí é diferente daquele! É mais fundo!
- É só caprichar mais no curativo!
- E é maior também!
- Aperta mais o esparadrapo que ele fecha direitinho!
- Ah, vai! Deixa de ser teimosa e vamos pra lá! Não custa nada! Eles resolvem isto rapidinho!
- Eu não vou, mãe! Tá resolvido! É só cuidar bem do corte que ele logo fecha. Não tô afim de deixar alguém costurar uma coisinha tão pequena assim. É perda de tempo!
- Ai meu Deus! Era só o que me faltava! Uma filha teimosa até na hora de ser socorrida!

De repente um latido veio do quintal, assustando-a. Parou de apertar a mão machucada. A tontura voltou, sofreu um novo repuxo na cabeça, o cenário mais uma vez piscou, e viu-se novamente sobre o degrau vermelho, diante da árvore de folhas brancas. A mão onde segurava a folha arrancada estava vazia.

- Mãe..? - seus olhos correram turvamente sem rumo sobre as centenas de folhas. Fixou-se em uma que trazia a frase: "Eu não te amo mais, Roger." Retirou-a do galho com certa cautela. Uma nova e idêntica a substituiu de imediato. Olhou atentamente a que segurava, e leu a frase em voz alta.

CONTINUA...

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Comentários:

Coincidência. Hoje eu estava pensando em nomes que são usados por brasileiros e americanos, e me veio o nome Roger. Hahahaha.

Aélsio Viégas | Email | 17-07-2009 22:56:49

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