sexta-feira, 17 de julho de 2009

[CONTO] O Presente


E então eles terminaram... Ou ela terminou, como ele corrigiria se assim lhe dissessem. Não porque o amor acabou, mas porque tornou-se insustentável. E tudo que restou foi o presente. Aquele preparado durante meses, até que juntasse todas as partes, reunindo-as num só pacote. Uma caixa cheia de "eu quero's", que seria entregue no Natal.

E ali estava ele, naquela agência dos Correios, esperando a fila andar, e a mente vagando entre o futuro que não viria, e o passado que já havia sido.

Os primeiros meses foram os piores. O passado era seu carrasco, açoitando-o com as lembranças. As boas eram as piores, as mais dolorosas, abrindo feridas cortantes. Às vezes sufocava. Em outras sentia engasgos. Torrentes de lágrimas que queimavam fluíam a cada nova recordação.

Foram os dias mais insuportáveis.

O presente... Escolheu cada parte que o compunha com muito cuidado, procurando lembrar-se de tudo que ela havia dito que queria enquanto estavam juntos. Seria o melhor Natal de todos! E o presente era só uma parte do que havia planejado.

Ali, com o pacote nas mãos, lembrava-se dos dias em que o céu tinha aquele tom de fim dos tempos, como o anúncio de um dilúvio prometido por um deus tirano. Naqueles dias só desejava ser atropelado na rua, que o chão desabasse sob seus pés, ou que o Sol entrasse em colapso gravitacional, transformasse num buraco negro, e engolisse a Terra sem a menor piedade.

Agora não sabia definir muito bem o que sentia por ela. No início só conseguia desejar-lhe o pior, por ter feito com que vivesse os mais dolorosos e insuportáveis dias de sua vida. Desejava que tudo acontecesse da pior forma possível com ela. Que nada desse certo. Que ela fosse punida por aquilo que ele estava sentindo. Foi desse jeito que entendeu quão tênue era a linha que separava o amor do ódio.

Mas, e hoje? O que sentia por ela? Não era amizade, pois a enxergava como um retrocesso ao que tiveram juntos. Mas ainda era amor? Ou era algo entre um e outro? Não, isto também seria um retrocesso... Talvez fosse algo além deles. Era uma vontade de olhar pra ela de perto, de estar com ela sem querer possuí-la. Era um sentimento mais leve, isto ele podia dizer. Sentia vontade de abraçá-la e beijá-la, de passear de mãos dadas por lugares onde deixaram sua marca, e por outros onde queriam deixá-la.

Com o tempo conseguiu domar parte das lembranças. Elas não vinham mais com tanta freqüência. O choro convulsivo não mais acompanhava cada boa recordação que vinha à tona sem aviso. Estava começando a esquecer-se? Não, de forma alguma. Estava mais pra deixar um pouco de lado uma parte de sua vida e concentrar-se em outras. Mas aquilo ainda não o satisfazia.

A verdade era que ali, segurando a caixa, tudo que ele desejava era dobrar o tempo sobre si mesmo, sobrepondo o presente no passado, e entregá-la nas mãos dela, ver de perto o brilho de fascínio em seus olhos de quasar, aquele sorrisão abrir-se em seu rosto, ofuscando tudo em torno dela, as mãos recebendo cuidadosamente o pacote, abrindo-o sem pressa, evitando que o papel se rasgasse, e pegando cada "eu quero" como se fosse o tesouro mais precioso e frágil do mundo. Aquela empolgação infantil brotando de seu peito, espalhando-se por todo o ambiente, tornando cada cor ali presente mais viva, palpitante. Queria sentir de perto a reação dela quando lesse cada bilhete que pregara em cada embrulho. E desejava, mais que tudo, saber como ela reagiria à única surpresa que conseguiu manter até ali, quando abrisse o mais secreto dos embrulhos.

Sentia falta daquele olhar de menina, sua menina, e daquela sua voz de criança que brotava dela sempre que recebia um presente dele. Seria o melhor Natal de todos! O mais inesquecível!

E diante do balcão dos Correios, enquanto via um vulto multicolorido abrindo-lhe caminho... Enquanto dava o primeiro passo adiante, e depois outro... Enquanto deitava a caixa sobre o tampo de madeira... Enquanto a atendente pesava o pacote e calculava o valor do frete de envio... Enquanto tirava a carteira do bolso, e dela um punhado de notas mal contadas... Enquanto tudo aquilo acontecia em torno de seu corpo, sua mente estava em outro mundo, outro plano de existência. Ele pensava no ponto final que meses antes enxergava quando olhava praquele dia, praquele "hoje" que vivia sem estar presente. Pensava em como o encarava agora. Não sentia nele um tom conclusivo. Não era o virar de páginas que esperava. Nem o recomeço que desejava. Estava mais pra reticências. Pra algo incerto.

Tudo que ele desejava naquele instante era que aquele pacote cheio de "eu quero's" despertasse nela o desejo de dar-lhe uma nova chance. Não um recomeço pra ele, mas um reinício pra ambos. Não um fim, mas um pra sempre... Daquele tipo que só eles conseguiam fazer. Um pra sempre e mais seis meses... E o melhor Natal de todos!

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Comentários:

Eita, qt coisa eu tenho pra ler aqui ainda :( ahuiahoauiha! Mas vamos lá né, um dia eu consigo ganhar um tempin e ver o que ainda rola por aqui. Abraços.

Heluza | 23-08-2009 23:01:40

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