terça-feira, 6 de outubro de 2009

[CRÍTICA] Distrito 9

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Imagine a seguinte cena: você vive uma vida relativamente normal em Joanesburgo, África do Sul, caminha pelas ruas da cidade sem muita perspectiva de que algo realmente emocionante irá acontecer pra fazer com que aquele dia de sua existência não se junte aos outros como mais um dia tedioso, quando, sem aviso, surge uma enorme nave espacial espalhando uma grande sombra circular sobre prédios e casas do subúrbio.

Daí você fica uns bons minutos boqueaberto, olhando praquele trambolho lá no alto, cheio de imponência e estranheza, e pensa: "Fodeu!" Não demora muito e você pensa em mil cenários: uma guerra mundial contra os alienígenas; a humanidade escravizada e dominada por um império galáctico; ou simplesmente a destruição completa e absoluta da civilização humana.

Mas, o tempo passa, e a nave continua lá, parada, sem mostrar a menor reação. De imponente ela passa a soar mais impassível. As pessoas olham inquietas para o céu esperando alguma atitude da parte dos alienígenas, mas eles simplesmente ficam lá, na deles, sem cagar nem desocupar a moita.

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Apenas mais um dia comum em Johannesburgo

Mais uns meses daquilo e alguém enche o saco e diz: "Ah, quer saber? Bora lá pra cima ver qualé a desses aliens!" Chegando lá, descobrem que a maior parte da tripulação da nave está doente, desnutrida, definhando. Oferecem ajuda aos forasteiros, montam um acampamento na periferia da cidade, próximo ao local onde a nave paira sem descanso.

Vinte anos depois os alienígenas, apelidados de camarões, graças à sua aparência, ainda ocupam o lugar, agora convertido em uma enorme favela, uma cidade à parte, onde se sujeitam a um estado de degradação cada vez maior. Não são bem vindos, e para terem uma vida razoável (o que significa ter o mínimo pra comer, e um teto sob o qual dormir), vêem-se obrigados a dispor de parte de sua cultura, sua tecnologia, e, acima de tudo, seu orgulho, como espécie superior à humana no que diz respeito a avanços científicos.

Suas armas são um prato cheio pra traficantes locais, que logo se aproveitam do vício que os "camarões" têm por comida de gato, sua preferida, criando um mercado negro local.

Detalhe: as armas só funcionam nas mãos de algum membro da espécie alienígena, o que as torna inúteis para seres humanos. Isto acaba virando o mote pra mais um abuso dos terráqueos: um mercado negro de órgãos e membros alienígenas, que não deixa de ter sua versão mais "oficial", dentro de uma instalação militar secreta, que também busca desvendar o segredo do código genético dos etes crustáceos.

Vale tudo, de dissecação de cadáveres a prostituição entre espécies, até magia negra cujo ritual consiste em comer a carne fresca de alienígenas recém-assassinados.

Bom, acredito que isto é o suficiente pra entenderem o cenário no qual o protagonista de Distrito 9 se encontra inserido quando a história de fato começa. Seu nome é Wikus van der Merwe, que começa o filme como um funcionário bobão de um conglomerado chamado MNU (Multi-Nacionais Unidas), responsável por despejar os alienígenas de onde eles estão, a fim de que todos sejam transferidos para um local mais isolado da cidade, que na prática funcionará como um campo de concentração para eles.

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Wikus van der Merwe, funcionário "exemplar"
... e um idiota.

Wikus parte acompanhado de um exército apropriadamente intimidador, e não demora muito pra se converter num cara arrogante quando sente que tem um pouco mais de poder em mãos, que não se reprime na hora de fazer piadinhas preconceituosas sobre os aliens, se achar o dono do pedaço, enfim, se mostrar um sujeitinho detestável. Isto até ele encontrar um frasco muito estranho com dois "camarões" que planejavam usá-lo em um experimento obscuro. Wikus, como bom xereta, fuça no tal frasco, e leva uma esguiçada do fluido em seu interior bem nas fuças. Fica com cara de bobão (mais do que a sua natural) na frente das câmeras, dá um jeito de se recompor, e segue em frente em sua missão de desalojar milhões de alienígenas.

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Assine aqui e você vai pra um lindo campo cheio de barraquinhas brancas.
Nem vai notar que está em um campo de concentração para alienígenas feios como você.

Acontece que o tal fluido gera uma reação em seu corpo, e logo ele descobre que, aos poucos, seu código genético está sendo "sobrescrito" pelo DNA alienígena. Trocando em miúdos, Wikus começa a se transformar num camarão.

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Oh meu Deus!
Que mão de borracha tosca!!

Sim, é bizarro. E a história fica ainda mais bizarra e trash quando a MNU bota Wikus em quarentena e começa a fazer seguidos experimentos em seu braço, que até aquele ponto era a única parte do corpo convertida. O objetivo, claro, é saber se ele seria capaz de acionar as armas alienígenas que a organização tem em seu poder. A resposta é um luminoso SIM!

Wikus se vê sendo tratado como um mero objeto cobiçado por um bando de homens inescrupulosos. E quando decidem aputar o membro alienígena, aí o bicho pega. O rapaz entra em desespero, dá uma de Jack Bauer, e foge do lugar. Está iniciada a temporada de caça ao híbrido humano/alienígena, o mais importante artefato bélico do mundo.

O drama vivido por Wikus não deixa de ser ligeiramente baseado no romance A Metamorfose, de Franz Kafka, em que o protagonista se vê transformado em um ser que gera desconforto entre seus entes queridos, que no filme é representado pela esposa de Wikus, e seus pais. Semelhante ao livro, em Distrito 9 Wikus é tratado com um incômodo, e se vê isolado e desamparado por aqueles que, teoricamente, deveriam se importar com ele, e acolhê-lo naquele momento difícil.

Assim, ele se vê obrigado a fugir para o único lugar onde pode ter alguma chance de resolver seu problema. Isto mesmo, a favela dos aliens. O que o obriga não só a engolir seu orgulho, mas também a tentar se enturmar, e conseguir a cooperação de um dos camarões que estavam com o frasco responsável por toda a confusão.


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Olha, eu tô cagado mermo, então,
qualquer canto do seu barraco tá valendo pra mim, mano.

Um detalhe que chama a atenção na história de Distrito 9 é que o roteiro não tenta nos empurrar goela abaixo um idealismo surgido como num passe de mágica nas atitudes de Wikus a partir do momento em que se vê obrigado a apelar pra ajuda dos alienígenas. Durante boa parte do filme ele se mantém egoísta, não esconde seu preconceito contra os camarões, não se permite afeiçoar-se por eles, e deixa bem claro que só está ali por interesse próprio, pra consertar a cagada que fez.

Ele só parte pra luta quando se encontra sem saída, e só sai em defesa dos aliens quando já não tem mais nada a perder, e se toca de que aqueles que realmente foderam com sua vida, apesar de se parecem com, não merecem ser chamados de seres humanos.

Enfim, é o velho tema arquetípico do sujeito que menospreza uma cultura e posição social diferentes da sua, e se vê forçado a conviver com ambas e rever seus conceitos. Nenhuma novidade aqui.

Distrito 9 tenta ser uma produção cult, e em alguns pontos até consegue, como no estilo documental adotado especialmente no início e no final da história, o que criou um efeito interessante, e deu um ar mais pertinente à trama. Mas, sinceramente, esperava uma distribuição melhor ao longo da trama desse tipo de cena.

Outro ponto negativo é o lance da história ser centrada em apenas um personagem. Fora Wikus, os poucos que ganham algum destaque no filme são estereotipados demais. Temos o sogro que só quer se livrar do genro idiota, e para isto aproveita a primeira oportunidade que surge pra ferrar com a vida do infeliz. O militar preconceituoso que sente um prazer doentio de matar os aliens que tanto despreza. E a namorada que só sabe chorar o filme inteiro, e não tem personalidade o bastante pra deixar de engolir a primeira história que inventam sobre seu noivo, a fim de afastá-la dele.

Era uma premissa que merecia uma abordagem mais abrangente. Uma história que praticamente pedia uma estrutura narrativa com múltiplos pontos de vista. Esperava uma subtrama melhor desenvolvida focada em um dos camarões. Enfim, um pouco mais de profundidade na construção dos personagens, seus dramas, conflitos e dilemas.

Não vou falar muito da crítica social e moral presente no filme, pois acredito que ele deixa esta intenção bem explícita no início e ao longo da história. É apenas lamentável constatar que, se um fato semelhante ao ocorrido no filme realmente acontecesse no nosso mundo, provavelmente a reação de muitos seria exatamente aquela. Ou seja, nada de cientistas bonzinhos com teclados, amplificadores sonoros e luzes multicoloridas no alto de uma montanha isolada (e há uma tirada razoavelmente boa em cima de Contatos Imediatos de Terceiro Grau logo no início do filme). O negócio é dilapidar uma cultura tecnologicamente superior à nossa, fazer com que se sintam degradados o bastante pra se sentirem inferiores a nós, e os aliens que se fodam!

Outro grande problema é que ele não sabe bem a que gênero se apegar. Começa como uma ficção-científica pretensiosa, descamba pra um trash que se leva a sério (com direito a armas alienígenas cujo efeito sobre seres humanos é fazê-los explodir, incluindo um sonoro SPLAT! e pedaços ensanguentados grudando nas paredes), depois nos apresenta um drama intimista, e seu final é uma porradaria no melhor estilo Homem de Ferro (a cena em que Wikus usa um exoesqueleto alienígena remete tanto aos combates vistos no filme onde o herói da Marvel enfrenta terroristas, como ao clássico final de Aliens - O Resgate, com Ripley saindo no braço com a Rainha Alien usando uma empilhadeira - só que bem menos estiloso, é claro).

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"Now the time is here
For iron man to spread fear"

Enfim, um filme cheio de referências, efeitos especiais muito bem produzidos pela WETA Workshop (a mesma de Senhor dos Anéis), que se integram perfeitamente às locações e atores reais, mas que poderia nos oferecer mais, e ser um pouco melhor decidido com relação à linha que pretendia seguir.

Fica a expectativa para que numa já previsível seqüência os realizadores esclareçam alguns pontos da história que ficaram sem a menor explicação, entre eles, o motivo dos camarões terem aportado na Terra.

O jeito é torcer para que sigam o exemplo da série Alien, e sejam capazes de expandir com a devida competência esse universo apenas esboçado neste primeiro filme. Taí uma das raras exceções em que eu gostaria de ver uma continuação que superasse o original. Merece um tratamento melhor.

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