sexta-feira, 9 de outubro de 2009

[POKÉMON SICKNESS] - #089 - Muk


Pokémon Sickness é uma coletânea de contos isolados entre si, mas ambientados no mesmo mundo.

E se Pokémons realmente existissem no nosso mundo?
Mas repare, estou falando do nosso mundo frio, cruel, quebrado e corrupto, não um mundo colorido onde crianças de 10 anos saem passeando por florestas e tudo fica muito e muito bem?

São contos doentios, degenerados, amorais e infelizes.
Cada conto é focado em um dos pokémons, mostrados de uma forma suja, pervertida e sombria.
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- Papai, vem logo pra casa, tem barulhos estranhos... O mano tá estranho... Não acorda... Tô com medo...

Os jovens se olhavam, assustados. Olhos arregalados, respiração entrecortada e ofegante, todos os sinais físicos e claros de que a adrenalina corria sem medo de ser feliz entre as sinapses do cérebro. O coração trabalhava como se não houvesse amanhã. Enfim: estavam encagaçados.

- Cara... – um deles arriscou, mas foi interrompido pela sinfonia funesta que ecoava vindo do andar de baixo.

Eram gritos, não, berros, urros desesperados de uma criatura em dor. Uma dor que não podia mensurada, não podia ser medida em palavras, era apenas o desespero e agonia em sua forma mais pura e simples, mais primitiva e animal. Era o som de uma vida sendo vivissecada, era um som infernal e inesquecível. Ambos sabiam que esse som provinha de uma criança, uma criança de apenas 6 anos de idade, que a esta hora estava sendo digerida viva no andar de baixo da casa.

- Cara... – o mesmo tornou a acrescentar, assim que os gritos silenciaram – temos que fazer alguma coisa...

“Sim, dar o fora daqui” o outro pensou, mas nada disse.

- Os gritos pararam... será que ele foi embora?

O outro teve um péssimo pressentimento sobre onde essa conversa ia terminar, mas novamente nada disse. Mesmo no escuro sabia que o outro olhava em direção à porta. Com efeito, seus piores temores se confirmaram, e ele viu seu companheiro de terror indo até ela. Mas que diabos! Esse pessoal nunca assiste filmes de terror? Voltar lá para checar se o monstro foi embora só é pior do que se enfiar no porão numa hora dessas (e fazer sexo, mas não achou que esse fosse um risco que ele corria nesse exato momento...). Ainda sim, não pôde evitar de soltar um “não, cara!” quando seu amigo se moveu até a porta.

- Ela é minha irmã, eu tenho que... – mas parou aí. Aparentemente seus pensamentos só tinham ido até o “eu tenho que fazer alguma coisa”, já que obviamente não fazia idéia do que poderia fazer. E além disso tinha o fato de que estavam, como eu já disse, encagaçados. Mas foi mesmo assim.

Nando se dirigiu pé ante pé em direção à porta, com medo de ser traído pelo piso de assoalho, que poderia emitir algum ruído (o que efetivamente não aconteceria, pois a casa era de alvenaria), abriu a porta com o cu na mão, e seguiu em direção à escada. Deixado sozinho no quarto semi-iluminado, Pedro olhou ao redor pensando no que fazer, o que não resultou em muita coisa. Amaldiçoando mentalmente em todas as línguas que conhecia (uma só), seguiu seu amigo.

Após ter cruzado o corredor, amargurando cada passo, viu Nando na beira da escada agarrado ao corrimão. Seu amigo estava chorando, lágrimas escorriam fluentemente de seus olhos como ele nunca havia visto em sua vida, e só não pensou nada dele (homens não choram, qualquer um sabe disso) porque ele próprio já estava com os olhos marejados. Não por medo ou qualquer coisa que havia visto, mas sim pelo cheiro. Deus, o que era aquele cheiro? Era como se o oitavo círculo do inferno contivesse todo o esgoto da Terra e você estivesse tomando banho nele. Era pior que o peido do Mamute, que fez a classe inteira evacuar a escola. Fato verídico. A essa altura seus olhos estavam reduzidos a enxergar apenas as suas próprias lágrimas que escorriam.

Ajoelhado no fim da escada (ou no começo dela, depende de onde você vai ou pra onde você vem), Pedro não só chorava como efetivamente vomitou. Uma golfada verde e vigorosa, tão perfeita, esverdeada e saudável, que se tivesse sido no vaso daria até pena de puxar a descarga. Enquanto a massa putrefata de bílis e batatinha Springles desce a escada, explicaremos o que foi que Pedro viu no andar de baixo: sua irmãzinha estava caída no meio da sala, ou mais precisamente o que deveria ser sua irmãzinha, pois havia uma criatura sobre ela... Bem, criatura não era exatamente o termo correto, parecia mais uma massa púrpura viscosa com contornos quase humanóides, semi-amorfa, provavelmente algo que foi vomitado pelo oitavo circulo do inferno. Essa massa asquerosa estava sobre ela e, de onde estava Pedro, podia ver apenas parte do seu braço para fora da “bolha” roxa e parte de seu rosto.

Ela gritava de dor! Lágrimas escorriam pelos seus olhos, o sofrimento era grande. Ela tentava se soltar, mas não conseguia. Pedro pensava “preciso fazer alguma coisa”, mas sem se mover, quando então ele viu o braço dela, que estava para fora da bolha, apenas cair no chão e rolar pelo tapete aveludado. O mesmo aconteceu com sua cabeça, e com não menos horror, Pedro viu ¼ da cabeça de sua irmã rolar pelo tapete. Todo o resto havia sido... digerido pela massa púrpura asquerosa. Foi isso que o fez vomitar e, no que ele vomitou, a coisa percebeu sua presença, e começou a se mover na direção da escada. Ainda em choque, Pedro nem percebeu quando seu amigo Nando o agarrou pelo braço e o arrastou para dentro do quarto, enquanto gritava todos os palavrões que conseguia lembrar, e inventar novas combinações como “merda nauseabunda basculante!!!”. Sob outra situação, teriam dado risada disso.

- QUE MERDA É AQUELA?!? – Nando gritava, enquanto trancava a porta e empurrava a escrivaninha para barrar ainda mais a passagem, ao mesmo tempo que tentava de alguma forma diminuir aquele cheiro atroz e colossal que tomava o seu nariz de assalto com fúria assassina, mas descobriu que simplesmente colocar a camiseta na frente, do não era nada eficiente.

Pedro, naturalmente, não sabia que merda era aquela. Sabia que aquilo fedia mais que gambá que levou spray de pimenta no ânus, e que havia digerido sua irmãzinha ainda viva, daí os gritos que ouviram. Mas isso era tudo que sabia. Ah, e sabia também que aquela coisa estava vindo pegá-los agora. São ótimas coisas para saber, não?

Ficaram alguns segundos em silêncio, sem saber o que dizer. Não sobre a parte do monstro lá embaixo, o difícil mesmo era pensar no que dizer para o seu amigo depois dele ter visto a irmã ser digerida viva. Que tipo de coisa se diz numa hora dessas? As meninas são criadas pra sentir emoção, os meninos não, são criados pra reprimir tudo.

Foi feito um experimento na Suécia, interessantíssimo. Pegaram dois bebês exatamente iguais, da mesma idade, e colocaram roupinhas azuis na menina e rosas no menino. E depois mandaram algumas pessoas adultas entrar e brincar com os bebês. Todas pessoas, sem exceção, abraçavam o bebê de roupinha cor de rosa, alisavam o rosto, falavam com a voz mansinha. Já com o bebê de roupa azul, a relação tinha muito menos contato físico, e era muito mais do tipo “aí, garotão!”, especialmente por parte dos homens que pegavam nos bebês.

Homens são criados para serem sempre fortes, ágeis, viris, tomar conta de tudo e de todos, incluindo suas mães, suas irmãs, suas esposas e suas filhas. Arcar com as despesas da casa e nunca vacilar, chorar então, esqueça. Homem não têm sentimentos, e se tiverem não são, em hipótese nenhuma, para demonstrá-los em público, ou seja, a nenhum ser humano. Por isso, em uma situação como essa, tudo que um homem pode fazer por seu amigo é ficar quieto e oferecer o seu silêncio.

Infelizmente o monstro parecia não ter muita noção de hombridade e ética masculina, e logo o cheiro de batida de esgoto em usina de processamento de lixo começou a aumentar, de modo que, passado um instante, os garotos podiam ouvir do outro lado da porta um gemido agonizante, mais agonizante do que velhinho com prisão de ventre tentando cagar de bruços. Realmente perturbador. Era evidente a essa altura que a coisa já estava no corredor, mais precisamente do lado de fora da porta.

Enquanto Pedro e Nando esqueciam de seus problemas menos mundanos para se perguntar se a porta seguraria aquela coisa, a resposta foi bastante desagradável para ambos: NÃO! Uma gosma púrpura, viscosa e asquerosa como o próprio inferno, começou a escorrer por debaixo da porta, e como não poderia deixar de ser, os garotos não esperaram aquela coisa terminar de atravessar por debaixo da porta para fazer alguma coisa:

- CORRE CARALHO!!!

A idéia realmente parecia muito boa e sensata na teoria, mas o fato é que não havia realmente para onde correr, eles haviam se trancado em um quarto no segundo andar, lembra? E aquela coisa já havia atravessado quase completamente, o fedor abissal e absoluto fazia com que eles não enxergassem praticamente nada devido às lágrimas em seus olhos. A criatura já havia quase assimilado sua forma semi-humanoide, semi-amorfa, quando Pedro gritou:

- PULA!!! – e se jogou pela janela, com vidro e tudo.

Nando observou atônito seu amigo se jogar pela janela, mas aquela aberração já estava a menos de um metro da sua perna, o que ajudou a tomar sua resolução: pulou também pela janela.

Ao cair, sentiu uma dor como nunca havia sentido antes. Ao conseguir se livrar das roseiras que o arranhavam e laceravam seu rosto e seus pulsos (havia caído bem em cima do jardinzinho da mãe de Pedro, que ficava embaixo da janela do quarto do amigo), viu que a sua perna estava dobrada na direção contrária a que as pernas deveriam dobrar-se. A dor, ah, a dor! O que dizer sobre a dor que ainda não foi dito? Bem, na ausência de tal, direi algo interessante para variar um pouco:

Vale a pena esquecer o que os pais e as aulas de boas maneiras ensinaram: em momentos de dor, xingar pode ajudar, e muito. A descoberta partiu de um estudo coordenado pelo psicólogo Richard Stephens, da Universidade Keele, na Inglaterra. Intrigado com o uso automático de palavrões como reação imediata ao sofrimento físico, Stephens decidiu investigar o papel das expressões ofensivas na resposta do corpo à dor. Fez um experimento com 67 estudantes: mergulhou a mão deles em um recipiente com água extremamente gelada, e deixou que proferissem todos os xingamentos que quisessem. Em um segundo momento, repetiu a experiência, mas não foi permitido que falassem palavrões. Quando xingaram, resistiram por 30 segundos a mais à baixa temperatura.

O estudo constatou que dizer palavrões aumenta os batimentos cardíacos e diminui a percepção da dor. Tais efeitos podem ocorrer porque praguejar induziria no corpo a anulação do vínculo entre medo e percepção da dor. Uma ressalva: recorrer a palavrões não amenizaria os padecimentos de homens acostumados a usar essa linguagem. Para se beneficiar da "boca suja", é necessário utilizá-la com moderação.

Passado esse momento cultural, onde estávamos mesmo? Ah sim, garoava levemente, Nando havia caído no quintal em cima das roseiras, alguns bons centímetros de espinhos cravados em sua pele, com a perna na melhor das hipóteses quebrada, mas... Onde estava Pedro?! Procurou rapidamente ao redor e viu uma visão aterradora do amigo: estava com a cerquinha branca do jardim atravessada no pescoço. Era uma visão dantesca, seu melhor amigo com o pescoço empalado na cerca, a boca escancarada escorrendo um filete de sangue, e os olhos abertos, mortos, observando o céu nublado.

Ainda sob o efeito do choque dessa cena, finalmente cedendo a um choro primitivo, e até certo ponto infantil, Nando apenas sentiu uma coisa quente sobre sua perna (não a danificada, a outra), como se tivessem atirado um balde de água morna sobre ela. Pôde sentir o jeans da calça se fundindo à pele e além disso. Sentiu cada pequena camada de pele, logo depois de carne, e por fim até o osso derretendo, e nenhuma dessas sensações foi particularmente boa. O seu urro de dor pôde ser ouvido em toda a vizinhança e mais além.

O que aconteceu foi que o monstro os seguiu saltando da janela, e aquela massa viscosa anormal acabou caindo sobre a sua perna. Nando tentou se arrastar para o mais longe que pudesse da criatura, e percebeu que isso foi surpreendentemente fácil, pois sua perna não ficou presa embaixo do monstro. Mais precisamente não ficou presa em lugar nenhum, pois ele simplesmente não tinha mais perna, e o cotoco que sobrava ardia ferozmente. Mas mesmo assim se arrastou para fora do roseiral com os braços, aumentando ainda mais os cortes e lacerações, embora no momento essa fosse com certeza a menor de suas preocupações, e mesmo de suas dores.

A criatura seguiu Nando com o que pareciam ser braços (ou protuberâncias no lodo púrpura, mais precisamente) estendidos em sua direção. Conforme ele avançava, um rastro pútrido corrompia o solo de modo que nada mais ali nasceria nos próximos muitos anos vindouros. Nando se arrastava pelo pátio, e a criatura se arrastava atrás, até que Nando chegou à cerca alta de madeira que delimita a propriedade e, encurralado, esperou pelo pior. Foi quando uma coisa incrível aconteceu: a chuva começou a diluir a criatura, até que não restasse nada senão uma maldita poça asquerosa púrpura borbulhante.

Nando finalmente desabou por completo e apenas chorou e chorou, sem se mover dali até que a polícia aparecesse.


3 HORAS ANTES

O professor Carlos estava passando o final de semana em casa com seus filhos, já que sua esposa estaria o final de semana todo fora, viajando a trabalho. Durante o começo da tarde de sábado recebeu uma ligação para buscar alguns papéis realmente importantes no centro da cidade para estudar até segunda-feira. Bem, não parecia tão problemático assim, parecia?

Avisou a sua amantíssima filhota que iria sair por uma hora ou duas, mas que não era para ela se preocupar, pois seu irmão e o amigo dele estariam em casa, e qualquer coisa ela saberia o celular do papai. Beijou a menina no rosto e saiu.

O que ele não imaginava, no entanto, é que seu filho Pedro e o amigo achariam divertido assustar sua irmãzinha de 6 anos. Para isso, utilizando de um helicóptero de brinquedo de controle remoto, o faziam bater nos vidros da janela e da porta do primeiro andar para assustar a menina. Quando esta subiu a escadaria para procurar ajuda do irmão, ele e o amigo se fizeram de “mortos” no quarto, para assustá-la ainda mais. Isso fez com ela ligasse para o pai, e relatasse o que ela achava que estava acontecendo.

Foi tudo uma brincadeira, e os garotos deram algumas boas risadas disso tudo.

Para o professor, entretanto, não pareceu ser nenhum tipo de brincadeira: a sua filha parecia realmente assustada, e aquilo sobre o irmão dela foi o suficiente para dar meia volta na rodovia, e voltar para casa a 120km/h. Ainda mais nos dias de hoje...

Havia chovido forte o dia todo desde a noite passada, e embora não chovesse naquele momento, a pista estava bastante molhada. Molhada o suficiente para o professor perder o controle do carro ao tentar imprudentemente ultrapassar pela pista da contramão um caminhão de velocidade controlada que nunca passava dos 40km/h . Se ele estivesse menos desesperado, e não falando ao celular com a polícia ao mesmo tempo, talvez tivesse lido os avisos no caminhão-tanque, e entendesse porque ele não passava de 40km/h. Mas, como dito, o professor tentou ultrapassar assim mesmo, e ao emparelhar com o veículo (usando a pista da contramão, não era uma rodovia duplicada), estava ocupado xingando o motorista quando viu, só em cima da hora, que outro caminhão estava vindo no sentido contrário, na sua direção.

Ele tentou acelerar, ultrapassar o caminhão-tanque, e voltar para sua pista a tempo, antes que o caminhão em sentido contrário o acertasse com tudo, mas, com a pista molhada, não houve tempo o suficiente, e o seu carro acabou partido ao meio entre os dois caminhões

Ao acordar entre as ferragens, o professor percebeu algumas coisas: a primeira, e mais óbvia, é que o seu carro havia sido partido em dois. Não bizarro o bastante, ele podia ver suas duas pernas na outra metade do carro, a alguns metros de onde ele estava, o que sempre é uma visão bastante desagradável, se querem a minha opinião.
A outra coisa que ele percebeu é que os dois caminhões haviam tombado com a tentativa de evitar uma batida na sua fracassada manobra espetacular. Mais precisamente, o tanque do caminhão-tanque estava bem diante das ferragens onde a metade que sobrou do seu corpo estava presa. Mais precisamente AINDA, o tanque estava rachando com o impacto do tombamento, e o professor não passou muito tempo se esvaindo em sangue (conselho do dia crianças: não cortem sua artéria da coxa) antes do tanque finalmente arrebentar, e despejar o conteúdo líquido, e infinitamente tão nojento como fedorento, sobre ele.

Além disso, o professor não sabe muita coisa realmente. Sabe que tinha que voltar para casa, sabe que tinha que proteger seus filhos e abraça-los, e sabe que, de alguma forma, conseguiu.

O que era pouco, bem pouco na verdade, se compararmos as coisas que ele não sabia.

Não sabia o que aquele conteúdo tóxico havia feito com o que restava do seu corpo.

Não sabia que havia se tornado uma aberração tóxica que dissolvia/digeria/envenenava tudo por onde passava, e a todos que tocava.

Não sabia que havia se tornado um monstro.

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